quarta-feira, 6 de março de 2013

Tomando a Cruz - Thomas á Kempis

Imagem ceddia por: http://www.nndb.com


Thomas á Kempis nasceu: em 1381, em Kampen, na orla de Zuiderzee, Países Baixos, e morreu no mosteiro do monte Santa Inês, em Zwolle, em 1471. Setenta anos de sua longa vida foram passados no conven­to agostiniano do monte Santa Inês. Foi lá que ele produziu o imortal clássico da vida devocional A imitação de Cristo, o qual, como escre­veu o Dr. Charles Hodge, "espalhou-se como incenso pelos corredo­res e nichos da Igreja Universal".

Seu sermão "Tomando a Cruz" é um belo e eloqüente tributo a Cristo e a cruz.

Mas longe esteja de mim gloriar-me, a não ser na cruz de nosso Senhor Jesus Cristo." (Gl 6.14)

IRMÃOS amados, o bem-aventurado Paulo, o observador excelente dos segredos divinos, declara-nos nas supracitadas palavras, que a cruz é a maneira certa de viver bem, é o melhor ensinamento de como sofrer adversidade, é a escada mais firme por meio da qual subimos ao céu por seu maior sinal. É esta que conduz seus amantes ao país da luz eterna, da paz eterna, da bem-aventurança eterna, que o mundo não pode dar, nem o Diabo tirar. A fraqueza humana detesta o sofrimento da pobreza, desdém, vilania, fome, fadiga, dor, necessidade, escár­nio, que muitas vezes são sua sorte, e que pesam e perturbam os homens. Mas todas estas coisas unidas formam, por seus sofrimentos múltiplos, uma cruz saudável, ordenando assim Deus esta dispensação para nós. Aos verdadeiros portadores da cruz, eles abrem o portão do Reino celestial. Essa luta para eles prepara a palma da vida; essa conquista para eles representa o diadema de glória eterna.

Ó cruz verdadeiramente bendita de Cristo, que sustentou o Rei do céu, e que trouxe para o mundo inteiro o gozo da salvação! Por ti os demônios são postos em fuga; os fracos são curados; os tímidos são fortalecidos: os pecadores são limpos; os inativos são estimula­dos; os orgulhosos são humilhados; os desumanos são tocados; e os devotos são orvalhados com lágrimas. Bem-aventurados são aque­les que diariamente lembram a paixão de Cristo, e desejam levar a própria cruz após Cristo. Irmãos bons e religiosos, que estão inscri­tos na obediência, têm, na aflição diária de seus corpos e na resig­nação de suas vontades, uma cruz que em seu aspecto exterior é pesada c amarga. Mas é interiormente cheia de doçura, por causa da esperança de salvação eterna, e o afluxo de consolo divino, que é prometido àqueles que são quebrantados de coração. Se eles não a sentem imediatamente ou não a percebem, que é concedida sobre eles passo a passo, devem contudo esperá-la com paciência e resig­nar-se à vontade divina. Porque Ele sabe bem quando é o tempo de mostrar misericórdia e qual o método de ajudar os aflitos, assim como o médico está bem familiarizado com o ofício de curar, e o capitão do navio com a arte de navegar. Aqueles que tomaram a cruz em seu coração têm grande confiança e motivo de glória na cruz de Jesus Cristo. Eles não confiam nem esperam serem salvos por méritos e obras próprias, mas pela misericórdia de Deus e pelos méritos de Cristo Jesus, crucificado por nossos pecados, em quem eles crêem fielmente; a quem com o coração amam, com a boca confessam, louvam, pregam, honram e exaltam. Deus prova seus amigos pela santa cruz, se o amam verdadeiramente ou em aparên­cia, e se guardam seus mandamentos perfeitamente.

Eles são provados principalmente pela tolerância às injúrias e pela remoção das consolações internas; pela morte de amigos e pela perda de propriedade; pelas dores de cabeça e pelos ferimentos nos mem­bros; pela abstinência de comida e pela aspereza das roupas; pela du­reza da cama e pela frieza dos pés; pelas longas vigílias da noite e pelas fadigas do dia; pelo silêncio da boca e pelas reprovações dos superio­res; pelos vermes que roem e pelas línguas que depreciam. Em seus sofrimentos eles são consolados pela meditação devota da paixão do Senhor, como muitos devotos sabem muito bem em seu coração. E deles o provar o mel escondido na rocha, e o óleo da misericórdia que goteja da bendita madeira da cruz santa, cujo gosto é mui delicioso; cujo odor é mui doce; cujo toque é mui saudável; cujo fruto é mui feliz. Ó árvore da vida verdadeiramente digna e preciosa, plantada no meio da Igreja para o remédio da alma! Ó Jesus de Nazaré, tu que foste crucificado por nós! Tu abriste as algemas dos pecadores; libertaste as almas dos santos; humilhaste os altivos; quebraste o poder dos maus; consolaste os crentes; puseste em fuga os incrédulos; livraste os piedo­sos; puniste os obstinados; venceste os adversários. Tu levantaste os que estavam caídos; puseste em liberdade os que se encontravam opri­midos; feriste os que ferem; defendeste os inocentes; amaste os verda­deiros; odiaste os falsos; desdenhaste os carnais; prezaste os espirituais; recebeste os que vão a ti; escondeste os que buscam refúgio em ti. Os que te clamam, tu os ouviste; os que te visitam, tu os alegraste; os que te buscam, tu os ajudaste; os que choram a ti, tu os fortaleceste. Tu honraste os que te honram; louvaste os que te louvam; amaste os que te amam; glorificaste os que te adoram; abençoaste os que te bendizem; exaltaste os que te exaltam. Aqueles que olham para ti, tu os oi haste; os que te beijam, tu os beijaste; os que te abraçam, tu os abraçaste; os que te seguem, tu os guiaste ao céu.

Ó irmão religioso, por que estás triste, e por que reclamas do peso da cruz, em longas vigílias; em muitos jejuns; em trabalho duro c silêncio; em obediência e rígida disciplina? — cujas coisas foram instituídas à inspiração de Deus, pelos pais santos para teu proveito e salvação da tua alma; a fim de que por eles tu andasses com firmeza e prudentemente, tu que não podes te governar bem e vir­tuosamente. Tu pensas que sem a cruz e sem dor tu podes entrar no Reino dos céus, quando Cristo nem poderia, nem entraria, nem qual­quer dos seus amigos e santos mais amados ganharia dEle tal privi­légio? Porque Ele disse: "Porventura, não convinha que o Cristo padecesse essas coisas e entrasse na sua glória?" Tu estás completa­mente equivocado em teu pensamento: tu não seguiste as pegadas de Cristo a ti mostradas; pois Ele, pela cruz, passou deste mundo ao seu Pai celestial. Entre os vencedores e cidadãos do Reino celestial, perguntes a quem quiseres. como Ele veio a possuir esta glória de Deus para sempre. Não foi pela cruz e sofrimento? Então, irmãos, tomai o doce e leve jugo do Senhor. Abraçai com todo o afeto a cruz santa até o fim — ela floresce com todas as virtudes; está cheia de unção celestial — para que vos conduza sem engano, com a espe­rança da glória, à vida eterna.

O que mais direi? Este é o caminho, e não há outro; o caminho certo, o caminho santo, o caminho perfeito, o caminho de Cristo, o caminho dos justos, o caminho dos eleitos que serão salvos. Andai nele, perseverai nele, permanecei nele, vivei nele, morrei nele, exalai vosso espírito nele. A cruz de Cristo conquista todas as maquinações do Diabo; a cruz atrai para si o coração de todo crente; destrói todas as coisas más e nos confere todas as coisas boas por meio de Jesus Cristo, que foi pendurado e morreu nela. Não há armadura tão forte, seta tão afiada e tão terrível contra o poder e crueldade do Diabo, nada que ele tema tanto quanto o sinal da cruz, na qual ele fez com que o Filho de Deus fosse suspenso e morto, que era inocente e puro de toda mancha.

Ó cruz de Cristo verdadeiramente bendita, mais digna de toda a honra, a ser abraçada com todo o amor; que faz com que os que te amam carreguem seus fardos com facilidade, que consola os tristes em repreensões duradouras; que ensina aos penitentes como obter perdão de toda ofensa. Ela é honrada aos anjos santos; mais adorável aos homens, mais terrível aos demônios; menosprezada aos orgulho­sos, aceitável aos humildes; áspera aos carnais, doce aos espirituais; insípida aos tolos, deliciosa aos devotos; afável aos pobres, receptível aos estranhos; amigável aos aflitos, conforto aos doentes, consolo aos que morrem. Então, guardai as sagradas feridas de Jesus nos recessos do vosso coração; elas têm um sabor além de todas as especiarias para a alma devota que está em aflição e que não busca consolação de homens.

Segui a Cristo, que por meio de sua paixão e cruz conduz ao descanso e luz eternos, porque se vós sois agora seus companheiros na tribulação, em breve vos assentareis com Ele à mesa celestial na exultação perpétua. Plantai no jardim de vossa memória a árvore da cruz santa; ela produz um medicamento muito eficaz contra todas as sugestões do Diabo. Desta árvore muito nobre e fértil, a raiz é a humildade e pobreza; a casca, o trabalho duro e penitência; os ramos, a misericórdia e justiça; as folhas, a verdadeira honra e modéstia; o odor, a sobriedade e abstinência; a beleza, a castidade e obediência; o esplendor, a fé certa e esperança firme; a força, a magnanimidade e paciência; o tamanho, a longanimidade e perseverança; a largura, a benignidade e concordância; a altura, o amor e sabedoria; a doçura, o amor e alegria; o fruto, a salvação e vida eterna. Então, a Igreja da cruz santa canta bem e dignamente:

Cruz fiel, acima de todas as outras
Única e singular árvore; 
Nenhuma em folhagem, nenhuma em flor
Nenhuma em fruto pode haver igual a ti!

Não havia tal planta nos jardins de Salomão, nem erva tão salutar para a cura de todas as doenças, como a árvore da santa cruz, que dá suas especiarias da virtude divina para os que buscam a salvação. Esta é a árvore mais frutífera, bendita acima de todas as árvores do paraíso; espraiando seus ramos adoráveis, adornada com folhas ver­des, estendidas com frutos ricos pelo mundo; por sua altitude, tocando o céu; por sua profundidade, penetrando o inferno; por sua exten­são, circundando montanhas e colinas; por sua magnitude, enchendo o mundo em volta; por sua fortaleza, conquistando os reis maus e os perseguidores da fé; por sua misericórdia, atraindo os fracos; por sua suavidade, curando os pecadores. Esta é a palma gloriosa que é cor­retamente chamada de "cristífera", levada nos ombros de Jesus, fincada no monte do Calvário; condenada pelos judeus, desprezada pelos gentios, ultrajada pelos ímpios, lamentada pelos crentes, implorada pelos piedosos.

Bem-aventurado é o homem, fiel é esse servo, que perpetuamente leva as feridas sagradas de Jesus em seu coração; e, se a adversida­de o encontra, recebe-a como da mão de Deus e piamente a suporta, para que ele, pelo menos em algum grau, seja conformado com o Crucificado. Ele é digno de ser visitado e consolado por Cristo, que analisa amplamente para se conformar na vida e na morte com sua paixão. Este é o caminho da santa cruz, esta é a doutrina do Salvador, esta é a sabedoria dos santos, esta é a regra dos monges, esta é a vida dos bons, esta é a lição dos escreventes, esta é a meditação dos devo­tos: imitar Cristo humildemente, sofrer o mal por Cristo, escolher o amargo em vez do doce; menosprezar as honras, suportar o desprezo com serenidade, privar-se das delícias do mal; fugir das ocasiões dos vícios, evitar a dissipação; lamentar por nossos próprios pecados e pelos dos outros, orar pelos atribulados e pelos tentados, ser grato pelos benfeitores, fazer súplicas pelos adversários para que se con­vertam; regozijar-se com os que estão em prosperidade, lamentar com os que sofrem dano, socorrer os indigentes; não buscar coisas suntuosas, escolher o que é humilde, amar o que é simples; cortar superfluidades, estar contente com pouco, laborar pelas virtudes, lutar dia­riamente contra os vícios; subjugar a carne pelo jejum, fortalecer o espírito pela oração e leitura, recusar os elogios humanos; buscar a meditação, amar o silêncio, estar livre para Deus; suspirar pelas coi­sas celestiais, desprezar de coração tudo o que é terreno, pensar que nada, exceto Deus, traz conforto. Aquele que faz isso, pode dizer junto com o bendito apóstolo Paulo: "Para mim o viver é Cristo, e o morrer é ganho". E, novamente: "Mas longe esteja de mim gloriar-me, a não ser na cruz de nosso Senhor Jesus Cristo, pela qual o mundo está crucificado para mim e eu, para o mundo" (Gl 6.14). Ó monge religioso e seguidor da vida mais rígida, não te apartes da cruz que tu tomaste; mas leva-a e carrega-a contigo mesmo até a morte; e tu acharás descanso eterno, e glória e honra celestiais. 

Quando a tribu­tação te encontrar, é Cristo que põe sua cruz em ti e te mostra o caminho pelo qual tu tens de ir para o Reino celestial. Mas se alguém se jacta e espera as glórias e honras deste mundo, está na verdade enganado, e absolutamente não levará consigo nada do que esteve acostumado a amar no mundo. Mas aquele que se gloria em Cristo e menospreza todas as coisas por causa de Cristo, será consolado por Cristo na vida presente. Na vida por vir, ele será cheio das bênçãos celestiais e se regozijará oportunamente com Cristo e com todos os santos, por toda a eternidade. Que Jesus Cristo nos conceda isso, que por nós sofreu e morreu na cruz, a quem seja o louvor e a glória pelos séculos dos séculos. Amém.

FONTE:  extraído do livro "Grandes sermões do mundo" de Clarence E. Macartney. Editora CPAD.

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