sábado, 28 de maio de 2011

A História do Monge Arsênio


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Se houve um homem que deveria ter certeza de sua salvação no momento de sua morte, este homem era o monge Arsênio, conhecido como o Pai do Deserto. Todo o mundo da época reconhecia Arsênio como o mais santo entre os homens. Mas infelizmente, toda uma vida dedicada ao ministério monástico não foi suficiente para lhe trazer paz no momento de sua morte.
19 de julho de 455 d.C. - falecia apavorado o monge Arsênio, o Pai do Deserto.
Os monges ao redor de Arsênio estavam assombrados. À medida que a morte se aproximava do monge mais velho do deserto, em torno do ano 455 AD, eles o viam chorar e reconhecer que seu pranto era de medo. Não somente estes monges, mas todo o mundo da época reconhecia Arsênio como o mais santo entre os homens.
“De verdade, Pai, o senhor está com medo?” – perguntavam eles.
“De verdade,” respondeu Arsênio. “O medo que tenho nesta hora tem estado em mim desde que me tornei um monge.”
Tal declaração parece refletir uma séria debilidade em grande parte do monasticismo. Se houve um homem que deveria ter certeza de sua salvação no momento de sua morte, este homem era Arsênio. Filho de um senador, ele havia se tornado uma espécie de acessor em Constantinopla. Com o passar dos anos, sua vida de prazeres e luxos causou-lhe insatisfação.
Uma voz persistente lhe dizia: “Arsênio, abandone a companhia dos homens e você será salvo.” Finalmente, ele decidiu seguir a voz, renunciando suas riquezas e posição para ser tornar um monge.
Arsênio se apresentou perante um outro pai do deserto chamado João “o Anão”, para ser ensinado por ele. Mas quando os monges se sentaram para comer, João deixou que Arsênio permanecesse em pé. Arsênio esperou pacientemente. Finalmente, João jogou um pedaço de pão aos seus pés, dizendo que se ele quisesse poderia comê-lo. Arsênio humildemente se agachou para comer o pedaço de pão que estava no chão. Satisfeito com a humildade deste recém-chegado, João o aceitou.
Dez anos mais tarde, o tio de Arsênio, também senador, morre deixando-o uma grande herança em seu testamento. Arsênio a rejeita, dizendo que “eu já havia morrido muito antes do senador que morreu recentemente.”
Ele orava por várias horas, constantemente chorando por seus próprios pecados e pelos pecados de outros, dormindo somente uma hora por dia, comendo muito pouco, tendo quase nada, costurando cestas de folhas de palmeira.
Ele vivia isolado até mesmo dos outros monges e sempre se negava a receber aqueles que vinham visitá-lo. Ao ser indagado sobre a razão disso, ele explicou: “Deus sabe o quanto eu amo a todos vocês, mas não posso estar com Deus e com os homens ao mesmo tempo; e não passa pela minha cabeça deixar Deus de lado para conversar com os homens.”
Pouco mais de quarenta histórias de Arsênio chegaram até nós. Tristemente, nenhuma delas a respeito de Jesus Cristo. Este foi o ponto fraco deste tipo de monasticismo. Sua ênfase estava no sofrimento heróico como um meio para a salvação, quando somos ensinados nas Escrituras a “crê no Senhor Jesus Cristo e será salvo.”
Arsênio adotou um estilo de vida que refletia sua crença no isolamento como caminho para a salvação. Tal prática não lhe trouxe paz no momento de sua morte. Este mesmo conflito levou Martinho Lutero a, por fim, regozijar-se na redescoberta do Evangelho bíblico – justificação pela fé em Cristo somente.
Não obstante, Arsênio é reputado como um santo no calendário de algumas igrejas. Seu dia festivo é 19 de julho.

24 Marcas da Maturidade Por Joahannes Tauler (místico que influenciou Lutero)

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1° Eles têm amor.

2° Eles são vazios de si mesmos.

3° Eles são totalmente entregues para Deus.

4° Eles não buscam a si mesmos.

5° Por não buscarem seus próprios objetivos eles obtêm verdadeiro contentamento.

6° Eles esperam em Deus para saberem o que Ele quer que façam e eles se esforçam ao máximo para cumprir a Sua vontade.

7° Eles, diariamente,abrem mão da suas vontades pela vontade de Deus.

8° Todas as suas capacidades são trazidas em sujeição a Deus.

9° Eles sempre tem o senso da presença de Deus em todas as coisas, quer doces ou amargas.

10° Eles recebem todo prazer e todo sofrimento não como advindas das criaturas de Deus, mas do próprio Deus.

11° Eles não se deixam cativar pela suas concupiscências por coisas criadas.

12° Eles nunca são movidos da verdade pela contradição ou infortúnios.
13° Eles não são enganados por falsas aparências mas consideram as coisas como realmente são, e isso num espirito de bondade e amor.

14° Eles estão armados com toda virtude, prontos para lutar contra todo pecado e vício e obter a vitória e recompensa em todos os conflitos.

15° Eles observam o que Deus requer deles , ordenam suas vidas concordemente a isso e agem segundo aquilo que professam.

16° Eles são pessoas de poucas palavras,mas com muita vida interior.

17° Eles são irrepreensíveis e justos,mas não se ensoberbecem por causa disso.

18° Eles são retos e sinceros e pregam mais com suas ações do que com seus lábios.

19° Eles não tem nenhum outro alvo além da Glória de Deus.

20° Eles estão dispostos a serem repreendidos e abrirem mão dos seus direitos.

21° Eles não desejam sua própria vantagem e acham que as menores coisas já são boas demais para eles.

22° Eles se consideram menos sábios e dignos que outros homens e são humildes em tudo.

23° Eles copiam o exemplo do Senhor Jesus em todas as coisas e rejeitam tudo o que não é próprio para aqueles que seguem o Senhor.

24° E finalmente, se eles são desprezados por muitos, isso será muito mais bem vindo do que todo favor do mundo.

Fonte: http://paoevinho.org/?p=7006, Publicado por Hugo em 24/5/11  

Por Que Os Eleitos ainda Gemem com a Criação? - Richard Baxter


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Primeiro, a principal razão é que é da vontade de Deus que seja assim. Quem deve dispor das criaturas, senão aquele que as criou? Quem dever organizar os tempos e as transformações delas, senão o Senhor absoluto? Quem é o único que também tem sabedoria para decidir o que é melhor para a pessoa e poder para garantir que seu desejo seja realizado? Você também pode muito bem perguntar: "Por que não podemos ter a primavera e a colheita sem o inverno?", como também indagar: "Por que não temos esse descanso aqui na terra?".


Contudo, você também pode muito bem ver uma boa razão para isso. Primeiro, Deus deveria subverter a ordem estabelecida na natureza, se fosse para ele nos dar esse descanso aqui na terra. Todas as coisas devem chegar a sua perfeição passo a passo. O homem mais forte de todos precisa primeiro ser uma criança; o erudito mais notável precisa primeiro cursar a escola primária e aprender o “ABC”; o artífice mais talentoso foi no início um aprendiz inexperiente; o carvalho mais alto foi primeiro uma pequena bolota. Esse é o curso contínuo da natureza. Esta vida é nossa infância; quem sabe deveríamos ser aperfeiçoados no ventre, ou nascer totalmente desenvolvidos? Deus deve subverter o curso da natureza para nós?


E seria um absurdo ético, se nosso descanso e contentamento plenos fossem aqui. Isso seria uma ofensa para Deus e para nós mesmos. Primeiro para Deus, tanto nesta vida quanto na vida por vir. Nesta vida, isso seria uma ofensa para Deus, tanto em relação ao que faz por nós aqui quanto em relação ao que ele receberia, por assim dizer, de nós. Se nosso descanso fosse aqui, então a maioria das providências de Deus seriam inúteis; seu notável plano, frustrado; e suas obras cheias de graça e suas misericórdias, desnecessárias para nós. Se o homem tivesse mantido seu primeiro descanso no Paraíso, Deus não teria oportunidade para manifestar seu enorme amor pelo mundo entregando seu Filho. E como Deus não teria a oportunidade para exercitar toda sua graça, mas apenas algumas delas, então ele não teria nosso agradecimento por tudo que faz por nós.  Não sentimos como se nossas orações estivessem prontas a congelar? E como o servimos displicentemente? E como esquecemos ou passamos por cima de uma responsabilidade, quando temos saúde e prosperidade, embora ainda estejamos muito distantes de todo contentamento e descanso? Se tivéssemos o que teremos, como ele ouviria muito pouco a nossa voz! Deus se agrada da alma humilde e contrita, da alma que treme ao ouvir a sua Palavra; mas haveria pouco disso em nós, se satisfizéssemos plenamente nossos desejos aqui. Achamos que podemos louvar a Deus melhor se não precisássemos de nada; mas a experiência nos diz o contrário.  Além disso, como a variedade é um elemento da beleza da criação, ela também o é da providência; e se fosse para Deus exercitar aqui apenas um tipo de previdência, e conceder apenas um tipo de graça, e receber nosso agradecimento apenas por uma delas, isso seria uma diminuição da beleza da providência.


E seria uma grande ofensa para nós mesmos, como também para Deus, se tivéssemos nosso pleno contentamento e descanso aqui na terra; tanto agora quanto para todo o sempre. Quando Deus perde a oportunidade para exercitar suas misericórdias, o homem também perde a alegria de desfrutar delas. E quando Deus perde os louvores que lhe são devidos, o homem certamente perde as consolações do Senhor. Como poderíamos conhecer o coração amoroso do Pai, e como ele nos encontraria cheio de alegria e nos abraçaria, se não nos fosse negado, como aconteceu com o filho pródigo, as migalhas do prazer e dos benefícios terrenos? Jamais sentiríamos a mão suave de Cristo curando nossas feridas e enxugando nossas lágrimas, se não tivéssemos caído nas mãos de bandidos, e se não tivéssemos lágrimas para ser enxugadas. Se não estivéssemos cansados, e sobrecarregados, e sedentos, e não fossemos pobres, e humildes, e contritos, jamais teríamos estes doces textos em nossa Bíblia: "Venham a mim, todos os que estão cansados e sobrecarregados" (Mt 11.28); "Quem tiver sede, venha; e quem quiser, beba de graça da água da vida" (Ap 22.17); "Bem-aventurados os pobres em espírito" (Mt 5.3); "Pois assim diz o Alto e Sublime, que vive para sempre, e cujo nome é santo: 'Habito num lugar alto e santo, mas habito também com o contrito e humilde de espírito'" (Is 57.15). Em outras palavras, perderíamos todas as misericórdias redentoras,  nossas recuperações, nossos livramentos e as misericórdias de ação de graças, se não tivéssemos nossas misérias e nossos sofrimentos para proporcionar tudo isso. E isso seria uma perda para nós, tanto no futuro quanto no presente. Para um soldado, ou para um viajante, é um grande deleite olhar em retrospectiva suas aventuras e seus livramentos, depois de que eles já fazem parte do passado; e para um santo no céu, olhar em retrospectiva para a condição em que estava na terra  deve fazer com que suas alegrias sejam racionalmente mais alegres. Quando os abençoados estão no fim, eles olham em retrospectiva para o caminho; quando a luta é finda, e o perigo já acabou, e a tristeza se foi, ainda assim a alegria com a lembrança disso tudo não se esgotou, nem os louvores de seu Redentor se findaram. Mas se não tivermos nada além da alegria e do descanso na terra, que espaço haveria, depois disso, para o regozijo e os louvores?


Agora, nós somos seres incapacitados para a alegria e o descanso; e isso tanto no que diz respeito ao corpo como à alma. Uma alma que é tão fraca em toda a graça, tão propensa ao pecado, tão entretecida como princípios e desejos contraditórios  tem, nesse caso, alegria e descanso plenos? O que é o descanso, senão a perfeição de nossas bênçãos em hábito e ações, o amor a Deus de forma perfeita, o conhecimento do Senhor e o regozijo nele? Como pode descansar a alma que tem tão pouco desse conhecimento, e desse amor, e dessa alegria? O que é o descanso, senão a libertação do pecado, e das imperfeições, e dos inimigos? E pode descansar a alma que é importunada, e incessantemente, por tudo isso?


E nosso corpo, bem como nossa alma, são incapacitados para esse descanso. Agora, ele não é aquele corpo radiante e luminoso que será um dia, quando o corruptível se revestir de incorruptibilidade, e o mortal, de imortalidade. Ele é nossa prisão e nosso fardo; e é tão assolado por enfermidades e defeitos que somos obrigados a gastar a maior parte do tempo em seu restabelecimento e no suprimento de suas necessidades.  Certamente, esse corpo deve ser refinado a uma perfeição apropriada para aquele lugar, antes que seja capaz de desfrutar do descanso.


Como não somos capacitados a ter esse descanso na terra, então queremos aqueles objetos que podem nos propiciar alegria e descanso; pois os que agora desfrutamos não são suficientes, e o que é suficiente não está ao alcance de nossas mãos. Desfrutamos do mundo e de sua faina, e que fruto ele pode nos dar? O que há em tudo que temos aqui que possa nos dar descanso? Os que têm mais de tudo que o mundo pode oferecer carregam o maior fardo, e desfrutam de menos descanso que os outros.  Tolos inexperientes prometem a si mesmos ter, no presente, o céu na terra; mas quando eles estão prontos para desfrutá-lo, ele foge deles; e quando já perderam o fôlego de tanto correr atrás dessa sombra, ele não está mais perto deles que quando iniciaram a corrida.  Aquele que tem alguma consideração com as obras do Senhor pode facilmente ver que o fim mesmo delas é derrubar nossos ídolos, cansar-nos neste mundo e forçar-nos a buscar nosso descanso nele. Afinal, não é onde prometemos a nós mesmos mais contentamento que ele mais nos contraria?


E como o que desfrutamos aqui não é suficiente para nosso descanso, então Deus, que é suficiente, é pouco desfrutado aqui. Não foi aqui que ele preparou a sala para a presença de sua glória; ele fechou a cortina que nos separa dele; como criaturas, estamos distantes dele; como meros mortais, mais distante ainda; como pecadores, o mais distante possível. Ouvimos aqui e ali uma palavra de conforto dele, e, para guardar nosso coração e manter acessa nossa esperança, recebemos suas demonstrações de amor; mas--Deus meu!--isso não é nossa alegria plena. Enquanto estivermos neste corpo, estaremos distantes do Senhor; distantes, até mesmo, enquanto ele estiver presente. A alma que escolheu Deus como sua porção e o escolheu para sua única alegria e descanso pode encontrar descanso nessa distância tão enorme?


E, por fim, como somos incapazes em nossa natureza, também o somos quanto à moral. Há um merecimento que deve vir antes de nosso descanso. Ele tem a natureza de uma recompensa; não uma recompensa de dívida, mas de graça. E, assim, não temos um merecimento de dívida, nem mérito propriamente dito, mas o merecimento da graça e da preparação. Sim, é uma obra da justiça de Deus dar a coroa àqueles que conquistaram esse descanso, não por meio de sua justiça legal, mas da justiça do evangelho, pois Cristo nos trouxe a ela, e Deus a prometeu e, portanto, ele a declarará a eles como direito destes. Para os que combateram o bom combate, terminaram a corrida e guardaram a fé há uma coroa de justiça separada para eles, a qual o Senhor, o justo Juiz, dar-lhe-á naquele dia. E estamos preparados para receber a coroa antes de termos vencido? Ou o prêmio antes de terminar a corrida? Ou receber nosso pagamento antes de trabalhar na vinha? Ou de ser governante de dez cidades antes de multiplicar nossos talentos? Ou de entrar na alegria do Senhor antes de cumprir bem nossa missão como servos bons e fiéis? Ou herdar o reino antes de dar testemunho ao mundo de nosso amor por Cristo? Que os homens depreciem as obras o quanto quiser e pelo tempo que desejar, mas você descobrirá que essas são as condições para que ganhemos a coroa; assim, Deus não alterará o curso da justiça para lhe dar descanso antes de você trabalhar; tampouco você receberá a coroa de glória até que tenha vencido.


Portanto, há razões suficientes para que nosso descanso deva esperar até a vida por vir. Assim, leitor cristão, preste atenção: como você ousa projetar um descanso aqui na terra e cuidar para que possa desfrutá-lo? Ou murmurar para Deus por causa de seus problemas, e labuta, e necessidades aqui na carne? Sob o peso de seu cansaço, você está disposto a ir para Deus, seu descanso, e terminar seu combate, e sua corrida, e suas obras? Se não, ó, reclame mais com seu coração e deixe-o ainda mais cansado, até que o descanso passe a ser mais desejável.
FONTE: http://www.mayflower.com.br/2010/09/por-que-os-eleitos-ainda-gemem-com.html

A eleição estimula à santidade - A. Booth - (1734-1806)


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Humildade, amor e gratidão são três elementos essenciais da verdadeira religião. O ensino bíblico a respeito da eleição promove esses três elementos.

A graça discriminativa, certamente, ocasiona a humildade. Todos os homens estão igualmente arruinados. Os pecadores não são salvos porque merecem, porém, tão--somente pela misericordiosa escolha de Deus. Daí ninguém ter razão alguma para orgulhar-se. A salvação "não vem das obras para que ninguém se glorie" (Ef. 2:9). Por isso, a graça discriminativa torna os crentes humildes. Eles são obrigados a reconhecer que não têm mais direito de ser salvo do que o maior miserável que já está no inferno. E como Paulo escreve: "...quem te diferencia? E que tens tu que não tenhas recebido? E, se o recebeste, por que te glorias, como se não o houveras recebido?" (1 Cor. 4:7).

Além disso, a eleição dos filhos de Deus cria neles um grande amor para com Ele. Quando eles tomam consciência das bênçãos da salvação que Deus graciosamente lhes deu, ainda que não a merecessem mais que quaisquer outros homens, hão de ficar cheios de amor e admiração. Deus podia, com justiça, tê-los mandado para o inferno, mas ao invés disso, os elevou para o céu. Não deverão eles amá-10 por isso?

E esse amor se expressará por meio da gratidão. Se Deus fez tanto por nós, sem que o merecêssemos, não deveríamos nos entregar totalmente a Ele, em serviço de gratidão? Com Paulo, dizemos: "Bendito o Deus e Pai de nosso Senhor Jesus Cristo, o qual nos abençoou com todas as bênçãos espirituais nos lugares celestiais, em Cristo; como também nos elegeu nele antes da fundação do mundo, para que fôssemos santos e irrepreensíveis diante dele em amor" (Ef. 1:3-4).

Humildade para com os nossos semelhantes, amor e gratidão para com Deus - são esses os frutos de uma compreensão da graça discriminativa de Deus. A eleição, portanto, influencia-nos para nos tornar melhores crentes.
Ao mesmo tempo, por mais cheia de auxílio que esta verdade possa parecer àqueles que já são crentes, será que ela não vai desencorajar os que ainda não o são? Os que buscam tornar-se crentes poderão argüir: "Se eu não estiver entre os eleitos de Deus, então não importa o quanto eu deseje ser salvo, pois jamais o serei".

Esse pode parecer um argumento plausível, mas na verdade é um grande erro. Deixe-me ilustrar o que quero dizer. Suponhamos que um alimento é repentinamente apresentado a um homem faminto. Teria sentido ele dizer: "Não sei se Deus pretende que eu seja alimentado por este determinado alimento. Por isso, não importa o quanto eu o deseje, não posso comê-lo". Não seria muito mais sensato dizer: "Tenho um forte apetite. O alimento é o meio de satisfazer o meu apetite. Portanto, eu comerei este alimento".

Ora, Cristo é o pão da vida, o alimento das nossas almas. Este alimento celestial é provido pela graça oferecida no evangelho e livremente apresentado a todos os que têm fome, sem exceção. Que teria de fazer, então, o pecador espiritualmente despertado senão, sendo habilitado pelo Senhor, tomar, comer e viver para sempre? Os pecadores não são encorajados a crer em Jesus em troca de saberem que são eleitos. Não, as novas da misericórdia de Deus são dirigidas aos pecadores considerados como prontos para perecerem. Todos, sem exceção, que conhecem sua situação perigosa e sentem sua incapacidade, são convidados, sem demora, a aceitarem as bênçãos espirituais, antes mesmo de pensarem a respeito de sua eleição. Assim, esta verdade não deve aterrorizar um despertado ou qualquer pessoa que tenha consciência de seu pecado. Os que estão indiferentes a respeito de suas almas, ou têm elevada opinião sobre sua própria bondade, de qualquer maneira jamais se inco modarão com a eleição!

No entanto, não poderia alguém dizer: "Se eu estou entre os eleitos, então necessariamente serei salvo, não importa como eu me comporte". Por acaso este ensino das Escrituras referente à graça discriminativa não encoraja o crente a viver descuidadamente?

Às vezes, você pode encontrar pessoas que dizem crer na eleição e cujas vidas são cheias de impiedade. Tais pessoas, porém, estão enganando a si mesmas. A eleição não significa meramente que um certo número de pessoas irá, seguramente, para o céu. A razão da eleição é que o povo de Deus fosse santo e irrepreensível diante dEle (Ef. 1:4),

ou seja, a eleição significa que um certo número de santos alcançará o céu.
Deus não indicou apenas o lugar (o céu) para onde os eleitos irão, porém, mostrou também o caminho pelo qual eles chegarão lá. Paulo escreve: "Devemos sempre dar graças a Deus... por vos ter elegido desde o princípio, para a salvação, pela santificação do Espírito, e fé na verdade" (2 Tess. 2:13). Assim, uma parte essencial da experiência espiritual dos eleitos deve ser a "santificação" e a "fé na verdade". Onde esses elementos não estiverem presentes, não há eleição.

Há um outro argumento semelhante a esse último, o qual se costuma apresentar contra a verdade da eleição. E o seguinte: qual é a utilidade da pregação, da oração e da auto--negação? Se os eleitos já estão certamente escolhidos, não há necessidade dessas coisas. A resposta a esse argumento é a mesma que demos ao argumento anterior, ou seja, Deus usa deliberadamente a pregação, a oração e a auto-negação para efetuar aquele viver santo para o qual Ele escolheu o Seu povo. Posso mostrar o absurdo desse argumento por meio de outra ilustração.

Vamos concordar que há um Deus que governa todos os nossos negócios humanos por Sua providência. Se Ele planejou tudo aquilo que fará, então a objeção de que "se alguém é eleito, esse alguém não precisa ser santo" também se aplica a todos os negócios da vida diária. Se Deus planejou todos os negócios humanos, então quer com saúde ou doentes, quer bem sucedidos ou falhos em nossos negócios, quer habilidosos ou não na execução de nossas tarefas, tudo é governado pela providência. Contudo, quem será tão insensato para dizer; "Não importa se eu como, durmo ou estudo, desde que as circunstâncias de minha vida já foram determinadas pela providência!" Uma vez que não raciocinamos tão absurdamente em relação aos afazeres de nossa vida natural, por que o faríamos em relação aos interesses de nossa vida espiritual?

O perfeito conhecimento de Deus inclui todos os detalhes de nossas vidas, tanto quanto o nosso destino final. Não podemos separar os pormenores do fim. Deus prevê que chegarão aos céus somente aqueles que, segundo Sua previsão, se tornam santos por esforço espiritual diário; e ninguém Ele prevê no inferno, exceto aqueles pecadores que diariamente rejeitam Sua verdade.

Alguns, porém, acrescentam o argumento: "Este ensino torna Deus injusto, desde que Ele é misericordioso para com alguns e não para com todos. Deus Se tornou desleal". Eu respondo: a injustiça só pode estar presente quando a recompensa proveniente de um compromisso assumido deixa de ser dada. Se um magistrado aplica a lei rigorosamente no caso de um pobre e indulgentemente no caso de um rico, ele é injusto. Todavia, se ele como um benfeitor é generoso para com os necessitados entre seus vizinhos, nunca diríamos que é obrigado a ser generoso para com todos os necessitados. Isso seria impertinência de nossa parte! Se é apenas um problema de doação graciosa, não pode haver injustiça -mesmo que todos não recebam. E isto é ainda mais verdadeiro com relação a Deus, pois Ele é o Criador que tem o direito absoluto de fazer o que quiser com o que é Seu - e Sua natureza perfeita nos assegura que Ele nada faz de errado.

Deixe-me perguntar-lhe: todos os homens pecaram ou não? Se pecaram, então todos são culpados perante Deus. Se admitimos isso, então mesmo que todos perecessem Deus seria justo. E a eleição de alguns para a salvação não causa dano aos não eleitos. Assim, a "não-eleição" não é uma punição injusta. Dizer que Deus não pode deixar ninguém se perder é dizer que todos têm direito à salvação. No entanto, ninguém tem direito à salvação. Ela é somente pela graça.

A verdade é que o argumento "Deus é injusto ao eleger alguns e não todos" procede da auto-estima que nós, errada mente, temos de nós mesmos e da visão míope que temos de Deus. Será o altíssimo e sublime Deus tão limitado que não possa fazer o que Lhe agrada?

Deixe-me, agora, mostrar-lhe o valor real e prático da eleição para nós. Primeiro, a verdade tem algo a dizer ao pecador descuidado. Você já viu que todos são culpados aos olhos de Deus, e que Ele escolheu alguns para a salvação, deixando outros sofrerem as justas conseqüências de seus pecados. Como você pode saber que esse não é o seu caso? Ser rejeitado por Deus é estar perdido para sempre. Você ainda está desinteressado? Ora, você está nas mãos de um Deus ofendido e, contudo, não tem idéia certa daquilo que Ele fará com você! Se você teme a possibilidade do inferno, deve saber que é exatamente isso que merece. Você tem boas razões para tremer. Medite sobre estes fatos terríveis! Que o Senhor possa ajudá-lo a "fugir da ira vindoura" (Mat. 3:7).

Assim, a partir disso, é claro que o ensino de que o amor de Deus é geral e igual para com toda a humanidade, e de que Cristo morreu por todos, pode entorpecer as consciências. Se todos são igualmente amados e salvos, por que devo me preocupar? Somente as verdades bíblicas, isto é, a graça discriminativa e Cristo como o substituto dos eleitos, têm poder para despertar o pecador descuidado.

Segundo, a verdade da graça discriminativa tem algo a dizer ao crente. Você é um verdadeiro crente? Nesse caso, a graça lhe mostra a quem deve louvar e lhe diz que você deve ser humilde! Essa verdade também lhe dá a certeza de que aqueles que recebem essa graça estão seguros para a eternidade, pois coisa alguma pode derrotar a graça de Deus. Ela reina! Quão importante, então, é "fazer firme a vossa vocação e eleição" (2 Ped. 1:10). Você está convencido de que esta verdade da eleição é uma verdade bíblica? Então, tome posse de todos os seus benefícios. Sem dúvida, de todos os nomes que são dados na Bíblia ao povo de Deus, o de "eleito de Deus" é o mais marcante. Ele significa que você está autorizado a desfrutar de todos os imensos privilégios que a graça oferece. "Uma geração escolhida, um sacerdócio real, uma nação santa, um povo adquirido para que anuncieis as virtudes daquele que vos chamou das trevas para a sua maravilhosa luz" (1 Ped. 2:9).

Terceiro, esta verdade da graça discriminativa tem algo a dizer ao que é crente só de nome, que fala muito a respeito de doutrina, mas em cuja vida se vêem, freqüentemente, a falta de santidade, o orgulho e a malícia. Você é desse tipo? Então, você pode falar quanto quiser a respeito de doutrina; isso não lhe fará bem algum. A sua vida torna claro que você é um inimigo da graça. Você obedece realmente aos seus apetites pecaminosos. Você realmente não ama a Deus! Que a graça da qual fala - sem nenhuma experiência dela possa livrá-lo misericordiosamente do seu pecado. Seria difícil encontrar um caso mais deplorável do que o de uma pessoa que finge conhecer aquilo que realmente não experimenta.

O Pecado do Orgulho Espiritual - William Gurnall - (1616-1679)


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- Uma espécie de orgulho espiritual que cresce como erva daninha no meio do trigo e que Satanás usa para atacar o cristão é o orgulho da graça. Os dons nos são dados para agir; a graça nos é dada para ser. Estamos falando aqui sobre a medida da graça ou dos atributos de santidade que Deus concede a uma pessoa. Sabemos que tudo o que possuímos nesta vida está sujeito à corrupção – nada do que o cristão tenha ou que faça está isento deste verme do orgulho. O orgulho é o maior responsável pelas áreas fracas nas nossas virtudes, que são altamente vulneráveis. Não é a natureza da nossa graça, mas o sal da aliança de Deus que preserva a pureza dela.

De que maneiras, então, pode um santo tornar-se orgulhoso de sua graça?

Primeiro, por confiar na força da própria graça. Confiar na força da própria bondade é ter orgulho da graça. Deste modo você recusa a pobreza de espírito que Cristo tanto recomendou (Mt 5). Somos exortados a reconhecer a própria pobreza espiritual a fim de que nos apoiemos em Deus para toda e qualquer necessidade. Paulo era um homem assim. Ele não se envergonhava de que o mundo todo soubesse que era Cristo o responsável por toda sua provisão: “a nossa capacidade vem de Deus” (2 Co 3.5).

 O que aconteceu a Pedro quando ele se vangloriou da força de sua própria graça?“Ainda que todos se escandalizem, nunca, porém, eu”, jactou-se Pedro (Mc 14.29). Ele se colocou para medir forças numa corrida com o diabo, mas perdeu antes mesmo de sair do portão. Com misericórdia, Cristo permitiu que Satanás pisoteasse a graça particular de Pedro para revelar-lhe sua própria natureza e para derrubá-lo da exaltação do seu orgulho.

 Ore para que Deus seja igualmente misericordioso com você se você começar a subir a escada dos próprios sucessos espirituais. Joabe observou que estava crescendo em Davi o orgulho pelo poder do seu reino, levando-o a querer recensear a nação; foi por isso que disse ao rei: “Ora, multiplique o Senhor teu Deus a este povo cem vezes ... mas, por que deseja o rei meu senhor este negócio?” (2 Sm 24.3). Pode um cavalariço orgulhar-se de exercitar o cavalo do seu patrão ou um jardim jactar-se porque o sol brilha nele? Não deveríamos nós dizer a respeito de cada gota de bondade o mesmo que o jovem discípulo de Eliseu disse a respeito da sua machadinha: “Ai, meu senhor! ela era emprestada”? (2 Rs 6.5).

 Confie na força de seus próprios atributos de santidade, e você começará a relaxar em seus deveres para com Cristo. Reconhecer que é fraco faz com que você não se afaste muito dele. Quando você vê que sua própria despensa está vazia e tudo o que precisa está na dele, com mais frequência buscará suprimento nele. Mas quem pensa que pode tomar conta sozinho de si mesmo diria: “Tenho mais do que o suficiente para me sustentar durante muito tempo. Aquele que tem dúvida que ore; a minha fé é forte. Que os fracos busquem ajuda em Deus; posso muito bem cuidar de mim mesmo”. Que situação lamentável, supor que não precisamos mais da graça de Deus para nos sustentar minuto a minuto.

 Superestimar a força de nossa própria bondade não somente nos induz a desprezar a ajuda de Deus, como também nos torna imprudentes, temerários e ousados. Quem se gaba da própria espiritualidade é capaz de se colocar em toda espécie de situação perigosa e, depois, ainda sair se vangloriando que é capaz de se dar bem nelas. Acha que está tão firme na verdade que uma equipe inteira de hereges não seria capaz de demovê-lo do caminho. Vai a lugares que não deveriam ser frequentados por cristão algum, ouve coisas que nenhum cristão deveria ouvir – enquanto continua insistindo o tempo todo que ainda que outros possam trair a Cristo em tais circunstâncias, ele nunca o abandonará. Pedro demonstrou essa mesma confiança tola na véspera da crucificação do nosso Senhor, e você sabe como ele se saiu. Sua fé poderia ter sido totalmente destruída no mesmo instante se Jesus não o tivesse resgatado com seu olhar de amor.

 Confiança arrogante na força da própria graça também fará de você uma pessoa crítica e antipática para com os irmãos que reconhecem que são fracos – e esse é um pecado extremamente indecoroso. “Se alguém for surpreendido nalguma falta”, diz Paulo, “vós, que sois espirituais, corrigi-o com o espírito de brandura” (Gl 6.1). E se você quer saber por que você, que se considera acima de qualquer repreensão, deveria se abaixar para ajudar um irmão caído, eis uma excelente razão: “guarda-te para que não sejas também tentado”.

 Deus o adverte contra a espiritualidade superconfiante. O que torna os homens descaridosos para com os pobres? Pensar que nunca serão pobres. O que faz os cristãos julgarem os outros tão severamente? A confiança na própria bondade, achando que nunca cairão. Bernardo costumava dizer, sempre que ouvia a respeito de qualquer pecado escandaloso de um irmão: “Ele caiu hoje; amanhã quem pode tropeçar sou eu”. Oh, que todos nós tivéssemos esse mesmo espírito de humildade!

 Um segundo modo de nos tornarmos orgulhosos da própria graça é apoiar-nos no valor da nossa graça – pensando que podemos ser suficientemente bons para agradar a Deus. A Escritura chama a graça inerente de “justiça própria” e a coloca em oposição à justiça de Cristo, que é a única chamada de “justiça de Deus” (Rm 10.3). Quando confiamos na própria graça, estamos exaltando-a acima da graça de Deus. Se ela realmente fosse superior, então um santo poderia dizer ao chegar no céu: “Esta é a cidade que eu construí, comprada pela minha graça”.

 Isto faria de Deus um inquilino, e da criatura, o senhorio! Ridículo? Entretanto, é exatamente esta a atitude que demonstramos quando procuramos obter a aceitação de Deus por meio dos próprios esforços. Como é que o Deus do universo suporta com tanta paciência tamanho orgulho em criaturas tão humildes!

 Se você tem algum entendimento da Palavra de Deus, sabe que Deus determinou que nossa salvação fosse obtida por um método muito diferente daquele que é baseado no esforço. É, de fato, um método de graça – mas nunca da graça do homem. Pelo contrário, é a graça divina de Deus. Qualquer graça inerente em nós tem sua importância e sua função de “acompanhar a salvação” (Hb 6.9), mas nunca de obtê-la. Isso é obra de Cristo, e somente dele.

 Quando Israel aguardava o Senhor no Monte Sinai, havia a demarcação de fronteiras. Ninguém podia subir a montanha para falar com Deus, com exceção de Moisés. Não podiam nem tocar na montanha, senão morreriam. Eis aqui uma metáfora espiritual da nossa graça. Todas as graças são concedidas para aperfeiçoar nosso serviço para Deus, mas nenhuma delas pode substituir a fé como base para ser aceito por Deus. Fé – desonerada das obras – é a graça que deve apresentar-nos a Cristo para a salvação e purificação.

 Essa doutrina da justificação pela fé foi mais atacada do que qualquer outro ensinamento das Escrituras. Na verdade, muitos outros erros foram apenas estratégias astutas do inimigo para chegar mais perto e minar essa doutrina fundamental. Quando Satanás não consegue esconder essa verdade, ele se empenha para evitar sua aplicação prática. Por isso você pode ver cristãos que defendem a justificação pela fé, enquanto a atitude e as ações deles contradizem tal profissão de fé. Como Abraão, quando procurou Hagar, eles tentam realizar o propósito de Deus através de um plano carnal. Todos esses esforços que parecem tão nobres, na realidade são ilegítimos porque estão alicerçados no orgulho.

 Em última análise, a vanglória das próprias capacidades é o que faz você continuar se esforçando para ser justo. Você tenta sempre orar mais intensamente, empenhar-se para ser um cristão melhor e lutar para ter mais fé. Você continua dizendo para si mesmo: “Posso conseguir!”. Mas logo descobrirá que sua própria graça é insuficiente até para a menor das tarefas, e sua alegria se esvairá pelas frestas dos seus deveres imperfeitos e suas graças enfraquecidas. A linguagem do orgulho relaciona-se com a aliança de obras. A única maneira de escapar dessa armadilha é deixar a Nova Aliança romper as cordas da antiga e reconhecer que a graça de Cristo supera em muito as obras da lei.

 Satanás usa dois tipos de orgulho para fazer-nos continuar confiando no valor da graça própria. Um deles eu chamo de orgulho mascarado; o outro, de orgulho de autoelogio.

 Orgulho mascarado anda na ponta dos pés, disfarçado de humildade. É o orgulho da pessoa que chora e se lamenta por causa de sua vil condição, mas que se recusa a ser confortada. É verdade – nenhum de nós é capaz de descrever seus pecados de modo a mostrar quão negros realmente são. Mas pense no quanto desfaz a misericórdia de Deus e o mérito de Cristo quando você diz que não são suficientes para comprar o seu perdão! Não existe uma maneira melhor de mostrar seu senso de pecado do que caluniar o Salvador? Você não quer sentir-se devedor a Cristo porque ele comprou sua salvação, ou é orgulhoso demais para pedir-lhe perdão?

 Que orgulho terrível é um mendigo passar fome para não pedir esmolas a um homem rico, ou um criminoso condenado escolher a morte no lugar de aceitar o perdão da mão de um governante compassivo. Contudo eis aqui algo ainda pior – uma alma definhando e perecendo no pecado rejeitar a misericórdia de Deus e a mão de Cristo estendida para salvá-la. Deus afirma que não há ninguém que ele não possa salvar. Se você persiste em sua atitude de denegrir a si mesmo, está chamando Deus de mentiroso. Você foi ludibriado para acreditar que suas lágrimas purificam mais do que o sangue de Cristo.

 Uma outra forma de orgulho espiritual que demonstra que está confiando no valor da própria graça é o orgulho de autoelogio. Isso acontece quando o coração se eleva secretamente e diz de si mesmo: “Eu posso não ser perfeito, mas com certeza sou melhor do que a maioria dos cristãos que conheço”. Esse tipo de visão interior é adúltero – ou, melhor dizendo, idólatra. Cada vez que você contempla sua justiça própria com tal atitude interior de admiração e confiança, está cometendo de fato uma grande iniquidade. É chegar à porta do céu com uma chave antiga quando Deus já trocou a fechadura.

 Se você é verdadeiramente um cristão, precisa reconhecer que sua entrada inicial na posição de justificação foi por pura misericórdia. Você foi “justificado gratuitamente por sua graça, mediante a redenção que há em Cristo Jesus” (Rm 3.24). Tendo sido reconciliado, a quem você é devedor agora – à sua própria bondade, à sua obediência, a você mesmo – ou a Cristo? Se Cristo não dirige tudo o que você faz, com certeza encontrará a porta da graça fechada. “Visto que a justiça de Deus se revela no evangelho de fé em fé, como está escrito: O justo viverá por fé” (Rm 1.17). Não somente fomos vivificados por Cristo, mas também vivemos por ele. O caminho para o céu está pavimentado com graça e misericórdia, do começo ao fim.

 Por que Deus insiste tanto em que usemos a sua graça em vez da nossa? Porque ele sabe que a nossa graça é inadequada para a tarefa. Esta é a verdade: confiar na própria graça somente nos traz dificuldade e dor de cabeça; confiar na graça de Deus traz paz e alegria permanentes.

 Em primeiro lugar, confiar na própria bondade, no fim, a destruirá. A graça inerente é fraca. Obrigue-a a suportar o jugo da lei e, mais cedo ou mais tarde, ela desmaiará pelo caminho, inadequada para a tarefa de puxar a pesada carga da velha natureza. É do jugo de Cristo que você precisa, mas você não pode recebê-lo até que jogue fora aquele que o prende às obras.

 Isso é feito através de renunciar a toda e qualquer expectativa quanto a você mesmo. Se você é um daqueles que afirmou durante anos que era cristão, apesar de ver pouco fruto em sua vida, talvez deveria cavoucar com mais profundidade até a raiz de sua profissão de fé e descobrir se a semente que plantou foi cultivada no solo estéril do legalismo. Se foi assim, arranque-a imediatamente e replante sua alma num campo fértil – a misericórdia de Deus.

 Davi nos relata como veio a prosperar ao passo que alguns que eram ricos e famosos de repente secaram e morreram: “Eis o homem”, disse ele, “que não fazia de Deus a sua fortaleza, antes confiava na abundância dos seus próprios bens... Quanto a mim, porém, sou como a oliveira verdejante na casa de Deus; confio na misericórdia de Deus para todo o sempre” (Sl 52.7-8).

 Você não somente esmaga sua graça, fazendo-a carregar o peso da sua salvação, mas também se priva do verdadeiro conforto em Cristo. O conforto do evangelho jorra de uma raiz do evangelho, que é Cristo. “Porque nós é que somos a circuncisão, nós que adoramos a Deus no Espírito, e nos gloriamos em Cristo Jesus, e não confiamos na carne” (Fp 3.3).

 O primeiro passo para receber o conforto do evangelho é mandar embora todos os nossos próprios confortadores. Um médico pede ao seu paciente que pare de ir a todos os outros médicos que mexeram com sua saúde, e que confie somente nele para obter a cura. Na qualidade de médico espiritual, o Espírito Santo pede que você mande embora todos os antigos doutores – todos os deveres, todos os outros tipos de obediência – e que se apóie somente nele.

 Você tem um clamor que sai das profundezas por uma paz interior? Então verifique de que tipo de recipiente você está tirando seu conforto. Se for o recipiente da própria suficiência, o suprimento é finito e muito em breve irá secar. Ele é misturado e diluído e, por causa disso, não é nutritivo. Acima de tudo, é uma fonte roubada se você afirma que vem de si mesmo e não o reconhece como um dom de Deus. Agora pense: que tipo de conforto você pode obter de mercadorias roubadas? E que tolice é brincar de ladrão quando seu Pai tem muito mais para lhe dar e muito melhor do que tudo que você poderia surripiar numa vida inteira! Que engano engenhoso de Satanás – fazer-nos dispostos a roubar, mas orgulhosos demais para pedir a misericórdia das mãos de Deus.

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