quarta-feira, 17 de outubro de 2012

Consolo no Sofrimento - Martinho Lutero

Imagem cedida por: http://www.portalentretextos.com.br
Dez Conselhos extraídos do livro que eu considero importante

Um sermão sobre a preparação para a morte

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A morte é uma despedida deste mundo e de todas as suas ocupações. Por isso é necessário que o ser humano organize claramente seus bens temporais: a forma como estes devem ficar ou como ele quer pô-los em ordem. Ele deve fazer isso para que, após sua morte, não haja motivo para briga, desentendimento ou alguma outra confusão entre seus parentes. E uma despedida corporal ou exterior deste mundo. O ser humano abandona e se despede de seus bens.

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Em segundo lugar, também precisamos despedir-nos espiritualmente. Quer dizer: somente por causa de Deus devemos perdoar com amor todas as pessoas, por mais que nos tenham ofendido. Por outro lado, somente por causa de Deus também precisamos querer o perdão de todas as pessoas. Sem dúvida, magoamos muitas delas, pelo menos com algum mau exemplo ou com menos boas obras do que devíamos a elas, segundo o mandamento do amor fraternal cristão. Temos que fazer isso para que a alma não se agarre a nada na terra.
  

3

Quando nos despedimos de todos na terra, então temos que nos voltar a Deus somente. E para lá que se dirige e para lá que nos leva o caminho da morte. Ali começa a porta estreita, o caminho apertado para a vida (cf. Mateus 7.14). Cada um deve aventurar-se com boa vontade por esse caminho. Pois este certamente é muito estreito, mas não é longo. Aqui acontece o mesmo que ocorre no nascimento de uma criança. Esta nasce, com perigo e medos, da pequena moradia no ventre de sua mãe para dentro deste grande céu e desta grande terra. Isto é, ela vem a este mundo. Da mesma forma, o ser humano sai desta vida pela porta estreita da morte. O céu e o mundo em que vivemos agora são considerados grandes e amplos. Mas tudo é muito mais apertado e menor, comparado ao céu que nos espera, do que é o ventre materno comparado a este céu. Por isso a morte dos queridos santos é chamada de novo nascimento. Também por isso o dia dedicado a eles é chamado de natale em latim. Significa o dia de seu nascimento. No entanto, o aperto da passagem para a morte faz esta vida parecer ampla e aquela outra, estreita. Precisamos acreditar nisso e aprender do nascimento corporal de uma criança. Cristo diz: "Uma mulher, quando está para dar à luz, sente medo. Mas depois de dar à luz, já não se lembra do medo, porque, através dela, um ser humano nasceu ao mundo" (João 16.21). Vale o mesmo para a morte: temos que nos libertar do medo e saber que depois vai haver muito espaço e alegria. 

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Os preparativos para essa viagem consistem, em primeiro lugar, em fazer uma confissão sincera (especialmente dos pecados maiores e daqueles que, no momento, conseguimos lembrar com o máximo esforço). Consistem em providenciar os santos sacramentos cristãos do santo e verdadeiro Corpo de Cristo e da Extrema-unção. Os arranjos também consistem em querer estes sacramentos com devoção e recebê-los com muita confiança, à medida do possível. Onde isso não é possível, o anseio por esses sacramentos deve, mesmo assim, ser consolador. Não devemos nos apavorar demais se não pudermos recebê-los. Cristo diz: "Todas as coisas são possíveis a quem crê" (Marcos 9.23). Os sacramentos não são nada mais do que sinais que servem à fé e estimulam a crer, como ainda veremos. Sem essa fé, eles não servem para nada. 

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Em todo caso, temos que valorizar com toda a seriedade e esforço os santos sacramentos e honrá-los, confiar neles livre e alegremente. Devemos colocá-los na balança de tal modo que, comparados ao pecado, à morte e ao inferno, eles tenham muito mais peso. Também precisamos preocupar-nos muito mais com os sacramentos e suas virtudes do que com os pecados. Mas devemos saber como prestar a devida honra aos sacramentos e quais são as suas virtudes. Honrá-los significa crer que é verdadeiro e que me acontecerá aquilo que os sacramentos representam e tudo o que Deus fala e mostra neles. Portanto, devemos dizer juntamente com Maria, a mãe de Deus, com uma fé firme: "Que me suceda conforme tuas palavras e teus sinais" (Lucas 1.38). O próprio Deus fala neles e coloca sinais por intermédio do sacerdote. Por isso não se poderia desonrar Deus mais em sua palavra e obra do que duvidando se é realmente verdade. Também não se poderia prestar a Deus maior honra do que acreditar que é verdade e confiar nisso espontaneamente.

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Para reconhecer as virtudes dos sacramentos precisamos conhecer inicialmente os defeitos que são combatidos por elas e contra os quais aquelas virtudes nos foram dadas. São três: a primeira é a imagem horrível da morte; a segunda, a imagem pavorosa e multifacetada do pecado; a terceira, a imagem insuportável e inevitável do inferno e da condenação eterna. Ora, cada uma dessas três imagens cresce e fica grande e forte por causa daquilo que lhe é acrescentado. A morte fica enorme e horrível, porque a natureza medrosa e desanimada grava essa imagem fundo demais e a mantém exageradamente diante dos olhos. O diabo acrescenta a sua parte a isso, para que o ser humano se concentre profundamente na aparência e imagem terrível da morte. Assim este fica preocupado, vulnerável e medroso. Então o diabo certamente vai apresentar-lhe todas as mortes terríveis, inesperadas e más que uma pessoa já viu, ouviu ou sobre as quais já leu. Além disso, ele também incluirá a ira de Deus, como ela atormentou e arruinou os pecados no passado. Com isso o diabo quer induzir a natureza medrosa ao temor da morte, ao amor pela vida e à preocupação com ela. Dessa forma, o ser humano, cheio de tais pensamentos, vai esquecer Deus, fugir da morte e odiá-la e, no final, ser desobediente a Deus. Quanto mais profundamente se encara e reconhece a morte, tanto mais difícil e perigoso é o ato de morrer. Em vida, deveríamos ocupar-nos com a idéia da morte e defrontar-nos com ela enquanto ainda está longe e não nos angustia. É perigoso e de nada adianta ocupar-nos com ela na hora de morrer. Então a morte, por si só, já é forte demais. Devemos afastar sua imagem de nossa mente e negar-nos a vê-la. Portanto, a morte tem seu poder e sua força na fraqueza de nossa natureza. Também porque ela é encarada de forma exagerada e numa época inoportuna. 

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Igualmente o pecado cresce e fica grande porque o encaramos em demasia e pensamos nele em excesso. Contribui para isso a fraqueza de nossa consciência, que se envergonha diante de Deus e se acusa horrivelmente. Aí o diabo encontrou a arapuca que procurava: ele coloca em apuros; torna os pecados tão numerosos e grandes; põe diante de nossos olhos todos aqueles que pecaram e os que foram condenados com bem menos pecados. Assim, mais uma vez, o ser humano vai desanimar ou não querer morrer. Dessa forma, vai esquecer Deus e continuar desobediente até a morte. Isso acontece principalmente porque o ser humano acredita que, naquele momento, deve concentrar-se no pecado. Ele crê que é certo e útil ocupar-se com isso. Então ele descobre que não está preparado e não tem jeito, assim que todas as suas boas obras se transformaram em pecados. Isso tem forçosamente como conseqüência um morrer desgostoso, desobediência à vontade de Deus e condenação eterna. 

Não há motivo nem tempo para examinar o pecado naquela hora. Isso deve ser feito durante a vida. Assim, o espírito maligno muda o sentido de tudo. Em vida deveríamos ter sempre diante dos nossos olhos a imagem da morte, do pecado e do inferno (conforme diz o Salmo 51.3: "Meus pecados estão sempre diante dos meus olhos"). O espírito maligno fecha os nossos olhos e esconde essas imagens de nós. Na hora da morte, quando deveríamos ter diante de nossos olhos apenas a vida, a graça e a salvação, ele abre os nossos olhos. Assusta-nos com as imagens vindas numa época inoportuna, para que não vejamos as imagens corretas.

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Também o inferno fica grande e cresce quando nos concentramos demais e refletimos constantemente sobre ele fora da época adequada. Colabora muito para isso o fato de não se conhecer o julgamento de Deus. O espírito maligno estimula a alma a sobrecarregar-se com uma curiosidade desnecessária e inútil. Mais ainda: com a forma mais perigosa de explorar o mistério do plano de Deus para saber se a alma é predestinada ou não para a salvação. Aqui o diabo exerce sua última, maior e mais astuciosa arte e habilidade. Pois com isso leva o ser humano (se este não se prevenir) a colocar-se acima de Deus, para que procure sinais da vontade divina e fique impaciente porque não fica sabendo se é predestinado. Isso faz o ser humano suspeitar de seu Deus, a ponto de quase desejar um outro deus. Em suma, aqui o diabo planeja apagar o amor a Deus com uma tempestade e despertar o ódio contra Deus. Quanto mais o ser humano segue o diabo e permite tais pensamentos, tanto mais perigosa é a sua posição. Por fim, ele não consegue mais resistir. Cai no ódio e na blasfêmia contra Deus.

Se quero saber se sou predestinado, isso significa que quero saber tudo o que Deus sabe e igualar-me a ele. Assim Deus não sabe nada mais do que eu e não é Deus. Não deve ele estar acima de mim no saber? Então o diabo nos mostra quantos pagãos, judeus e cristãos se perdem. Com tais pensamentos perigosos e inúteis estes chegam a fazer com que o ser humano fique com má vontade, mesmo que no mais morresse de bom grado. Ser atormentado por pensamentos sobre a sua predestinação significa ser atormentado pelo inferno. Há muitos lamentos sobre isso nos Salmos. Quem é vitorioso nesse ponto venceu de uma só vez inferno, pecado e morte.

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Devemos esforçar-nos ao máximo para não convidar nenhuma dessas três imagens a entrar em nossa casa. Também não devemos desenhar a imagem do diabo por sobre a porta. Por si próprias, essas imagens vão irromper com violência e querer apoderar-se totalmente do coração através de seu aspecto, seus debates e suas manifestações. Onde isso acontece, o ser humano está perdido. Deus foi esquecido completamente, pois essas imagens não cabem neste tempo, exceto para serem combatidas e expulsas. Sim, onde elas estiverem sozinhas, sem deixar transparecer outras imagens, seu único destino é o inferno, entre os diabos.

Quem quiser combater aquelas imagens com sucesso e expulsá-las não pode contentar-se apenas em discutir e brigar com elas. Elas serão fortes demais para ele, e a coisa vai piorar. O jeito é livrar-se delas por completo e não ter nada a ver com elas. Mas como acontece isso? Da seguinte forma: você deve ver a morte na vida, o pecado na graça, o inferno no céu. Não deve deixar-se afastar dessa maneira de encarar ou ver as coisas. Mesmo que todos os anjos, todas as criaturas, mesmo que aparentemente o próprio Deus apresente algo diferente a você. Não são eles que fazem isso. E o espírito maligno que provoca essa impressão. Como se deve agir então?

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Você não deve encarar a morte em si mesma, nem em você ou em sua natureza. Tampouco naqueles que foram mortos pela ira de Deus e vencidos pela morte. Se você fizer isso, está perdido e é derrotado juntamente com eles. Ao contrário, você tem que desviar energicamente seus olhos, os pensamentos de seu coração e todos os seus sentidos dessa imagem. Deve encarar a morte com ânimo e cuidado apenas naqueles que morreram na graça de Deus e derrotaram a morte, sobretudo em Cristo, depois em todos os seus santos. 

Nessas imagens, a morte não vai parecer horrível e aterradora para você, mas sim desprezada e morta, sufocada na vida e derrotada. Pois Cristo não é nada mais do que pura vida, e seus santos também. Quanto mais profunda e intensamente você gravar essa imagem e a encarar, tanto mais diminuirá a imagem da morte. Ela desaparecerá por si mesma, sem luta e sem briga. Assim o seu coração encontrará paz e poderá morrer tranqüilamente com Cristo e em Cristo. Assim está escrito em Apocalipse 14.13: 

"Bem-aventurados são os que morrem no Senhor Cristo". 

Números 21.6ss aponta para isso: quando mordidos pelas cobras venenosas, os filhos de Israel não precisavam combatê-las; apenas tinham que olhar para a serpente morta de bronze. Então as cobras vivas caíam por si mesmas e morriam. Da mesma forma você deve preocupar-se apenas com a morte de Cristo. Então encontrará a vida. Mas se você encarar a morte em outro lugar, ela o mata com grande agitação e tormento. Por isso Cristo diz: "No mundo vocês terão inquietação. Em mim, porém, terão a paz" (João 16.33).

FONTE:  Extraído do livro Consolo no sofrimento de Martinho Lutero editora Sinodal.

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