quarta-feira, 18 de maio de 2011

O Novo Nascimento – John Gill (1697-1771)

Imagem cedida por: http://www.wix.com/jeksampaio/blog-igreja-mvc1
 A regeneração pode ser considerada de forma mais ampla, incluindo a chamada eficaz, a conversão e a santificação; ou de forma mais restrita, designando o primeiro princípio de graça infundido na alma. [Isto] faz da alma um objeto preparado para a chamada eficaz, um vaso apropriado à conversão, sendo também a fonte daquela santidade que é gradualmente desenvolvida na santificação e aperfeiçoada no céu. No que diz respeito à regeneração, os seguintes fatos devem ser examinados com atenção: o que é a regeneração ou… a sua natureza, que é tão misteriosa, desconhecida e inexplicável para um homem natural, como o foi para Nicodemos, embora ele fosse um mestre em Israel. Nós a compreenderemos melhor observando as expressões e termos pelos quais a regeneração é apresentada:

1. Nascer de novo — isto é o que a regeneração significa (veja Jo 3.3, 7; 1 Pe 1.3, 23). Esta expressão supõe um nascimento anterior, um primeiro nascimento, em relação ao qual a regeneração é o segundo. Se observarmos a diferença entre os dois nascimentos, os conceitos ficarão mais claros. Esses nascimentos são opostos entre si: o primeiro vem de pais pecadores e acontece à imagem deles; o segundo vem de Deus e acontece à imagem dEle. O primeiro é de semente corruptível, o segundo, de incorruptível. O primeiro acontece em pecado, o segundo, em santidade e justiça. Por meio do primeiro nascimento, os homens são corrompidos e depravados; pelo segundo, eles se tornam consagrados e começam a ser santos. O primeiro nascimento é carnal; o segundo é espiritual, transformando os que passam por ele em homens espirituais. Por meio do primeiro nascimento, os homens são loucos e insensatos; nascem como crias de asnos monteses. Por meio do segundo nascimento, eles se tornam instruídos e sábios para a salvação. Por meio do primeiro nascimento, eles são escravos do pecado e das paixões carnais: sua condição de escravo é inata. Por meio do segundo nascimento, eles se tornam os libertos de Cristo. Por meio do primeiro nascimento, eles são transgressores e seguem um caminho de pecado, até que são interrompidos pela graça. No segundo nascimento, eles param de cometer pecados, isto é, param de seguir o caminho de pecado, passando a viver em santidade. Sim, aquele que é nascido de Deus não vive em pecado. Por meio do primeiro nascimento, os homens são filhos da ira e estão sob o desprazer divino; no segundo nascimento, eles se tornam objetos do amor de Deus, sendo a regeneração o fruto e o efeito desse amor…

2. Nascer do alto — assim poderia ser traduzida a expressão de João 3.3, 7. O apóstolo Tiago disse, de um modo geral, que toda boa dádiva e todo dom perfeito vêm do alto; e a regeneração, sendo esse tipo de dádiva, deve vir do alto… “Pois, segundo o seu querer, ele nos gerou pela palavra da verdade” (Tg 1.17-18). O autor desse nascimento é do alto; e os que nasceram de novo nasceram de Deus Pai, que está no céu. A graça concedida na regeneração vem de cima (Jo 3.27). A verdade no íntimo, a sabedoria no espírito ou a graça de Deus no coração, produzida na regeneração, é a sabedoria que vem do alto (Tg 3.17). Assim são os nascidos de novo, pois eles são nascidos do alto, têm excelente nascimento, são participantes da vocação soberana e celestial de Deus, em Cristo Jesus, e certamente a possuirão (1 Pe 1.3-4; Hb 3.1; Fp 3.14).

3. É comum a regeneração ser expressa por novo nascimento; e com grande propriedade, visto que o lavar regenerador e renovador do Espírito Santo estão juntos, como que significando a mesma coisa. A regeneração produz o que as Escrituras chamam de nova criatura e novo homem, e os nascidos de novo são chamados de crianças novamente nascidas (Tt 3.5; 2 Co 5.17; Ef 4.24; 1 Pe 2.2). É um novo homem em oposição ao velho ou ao princípio da natureza corrupta, que é tão antigo quanto o homem. Mas o princípio da graça infundido na regeneração é novo. É algo novo, inserido no coração; é algo que antes nunca esteve na natureza humana, nem mesmo em Adão, quando vivia em seu estado de inocência. Não é uma influência sobre os velhos princípios da natureza, nem a elevação deles a um grau superior. Não é uma melhoria dos velhos princípios, nem uma correção da imagem de Deus corrompida e arruinada no homem. É uma obra totalmente nova. É chamada de nova criatura; é uma obra realizada pelo poder onipotente, uma nova criatura, um novo homem constituído de várias partes, todas elas novas. Nessa nova criatura, existem um coração novo, um espírito novo, uma mente nova, para conhecer e entender coisas que antes não podiam ser conhecidas nem entendidas — um novo coração para conhecer a Deus, não como o Deus da natureza e da providência, e sim como o Deus da graça, Deus em Cristo, Deus em um Mediador, o amor de Deus nEle, a aliança da graça e as bênçãos dessa aliança estabelecida nEle. [É um novo coração para conhecer] a Cristo e a plenitude da graça nEle, o perdão do pecado por meio de seu sangue, a justificação por meio de sua justiça, a redenção por meio do seu sacrifício, aceitação diante de Deus por meio dEle e completa salvação por intermédio dEle — coisas sobre as quais Adão nada sabia no Paraíso.

Neste novo coração, há novos desejos por esses objetos, para conhecer mais sobre eles; há novas afeições colocadas sobre eles, novos deleites neles e novas alegrias que surgem deles (Ez 36.26; 1 Jo 5.20; 1 Co 2.9). Este novo homem enxerga com novos olhos. Deus não concede a algumas pessoas olhos para ver coisas divinas e espirituais, mas Ele os concede para os nascidos de novo. Eles têm olhos que vêem, feitos pelo Senhor (Dt 29.4; Pv 20.12), com os quais eles vêem seu estado de perdição, sua condição natural, a excessiva corrupção do pecado, sua incapacidade de se redimir por meio do que possam fazer. [Vêem] a insuficiência de sua justiça, sua incapacidade de fazer boas obras e a falta de poder para ajudarem a si mesmos a livrarem-se do estado e da condição em que estão. [Vêem sua necessidade] do sangue, da justiça e do sacrifício de Cristo, e da salvação por intermédio de Cristo. Eles têm os olhos da fé com os quais contemplam as glórias da pessoa de Cristo, a plenitude de sua graça, a excelência de sua justiça, a virtude de seu sangue e sacrifício, o benefício e a perfeição de sua salvação. Neste aspecto, a regeneração não é outra coisa senão luz espiritual no entendimento.

Além disso, o novo homem tem novos ouvidos. Nem todos têm ouvidos para ouvir. Alguns têm e os receberam do Senhor; e benditos são eles (Ap 2.11; Dt 29.4; Pv 20.12; Mt 13.16-17). Ouvem a Palavra de um modo como nunca ouviram antes. Eles a entendem e passam a amá-la; por meio dela, distinguem a voz de Cristo da voz de um estranho, de modo que sentem-na agir neles com eficácia e tornar-se o poder de Deus para a salvação deles. Conhecem o jubiloso som e regozijam-se em ouvi-lo!

O novo homem também tem novas mãos com as quais pode agir: a mão de fé para receber a Cristo como Salvador e Redentor, para apropriar-se dEle para a vida e a salvação, para recebê-Lo, para apegar-se a Ele e não deixá-Lo ir embora. [Eles têm mãos] para tocá-Lo, a Palavra da vida, e receber dEle graça sobre graça. Têm mãos com as quais podem servir motivados por princípios melhores, a fim de atingir objetivos melhores do que os anteriores.

Eles têm novos pés, com os quais correm para Cristo, a Cidade de refúgio; andam pela fé, prosseguem nEle, assim como O receberam; atravessam com alegria os caminhos de suas ordenanças, seguem-No com empenho e continuam a conhecê-Lo. Têm novos pés com os quais podem correr e não se fatigar, andar e não desfalecer.

4. A regeneração é expressa por ser vivificado. Assim como há, na criação natural, um momento em que a vida passa a existir, na regeneração acontece o mesmo. “Ele vos deu vida” (Ef 2.1). Antes da regeneração, os homens estão mortos, embora vivam; ainda que estejam fisicamente vivos, estão moralmente mortos; estão mortos em um sentido moral para as coisas espirituais, em todas as forças e capacidades de sua alma. Não as conhecem, não têm afeição por elas, amor por elas ou poder de realizá-las, à semelhança de um homem morto em relação às coisas naturais. Entretanto, na regeneração um princípio de vida espiritual é infundido no homem; é um tempo em que o Senhor lhes transmite vida e a produz neles. Cristo é a ressurreição e a vida neles. [Ele] os ressuscita da morte do pecado para uma vida de graça. O espírito da vida de Cristo entra neles.

A regeneração é uma passagem da morte para a vida. É um princípio de vida espiritual implantado no coração, em conseqüência do qual um homem inspira um senso espiritual. Onde há fôlego, há vida. Deus soprou em Adão o fôlego de vida, e este se tornou uma alma vivente, uma pessoa viva que, em resposta, respirou. Assim, o Espírito de Deus sopra em ossos secos, e eles vivem e passam a respirar. A oração é a respiração espiritual de um homem regenerado. “Ele está orando” (At 9.11) é algo observado sobre Saulo após sua regeneração. Um pouco antes ele respirava ameaças e morte contra os discípulos de Cristo. Um homem regenerado respira oração a Deus e suspira por Ele, por conhecê-Lo mais em Cristo, por ter comunhão com Ele, por manifestações de seu amor e, em especial, pela benevolente graça e misericórdia. Às vezes, estas respirações e desejos são expressos apenas por suspiros e gemidos, mas ainda são sinais de vida. Se um homem suspira, é claro que está vivo.

O homem regenerado deseja intensamente o alimento espiritual; e isso demonstra que ele foi vivificado. Logo que uma criança nasce, ela procura o seio materno em busca de leite. Assim, os recém-nascidos espirituais desejam o genuíno leite da Palavra, por meio do qual eles podem crescer. Seus sentidos espirituais são exercitados em assuntos espirituais. Têm o que corresponde aos sensos da vida natural: o ver, o ouvir e, como já observamos, o sentir. Eles sentem o fardo do pecado na consciência e as obras do Espírito de Deus em seu coração; e confiam em Cristo, a Palavra da vida — isso deixa evidente o fato de que estão vivos: um morto nada sente. Têm uma inclinação espiritual, um deleite nas coisas espirituais; a Palavra de Cristo lhes é mais doce ao paladar do que o mel ou o favo de mel… Eles provam que o Senhor é gracioso e convidam outros a provar e ver também quão bom Ele é. Eles se deleitam com as coisas de Deus e não dos homens. Cristo e sua graça lhes são agradáveis… Estes sensos espirituais e o exercício deles… mostram que estão vivos, que nasceram de novo. Essas pessoas levam uma vida de fé; vivem por fé — não a fé em si mesma, mas em Cristo, o objeto da fé. Crescem em Cristo, a Cabeça deles, de quem recebem sustento e assim crescem no crescimento que vem de Deus; e isto é uma evidência de vida. Resumindo, eles vivem uma vida nova, diferente da que tinham antes; não vivem mais para si mesmos ou para as paixões dos homens, e sim para Deus e para Cristo, que morreu e ressuscitou por eles. Andam em novidade de vida.

5. A regeneração é demonstrada pela formação de Cristo na pessoa convertida (Gl 4.19). A imagem dEle é gravada na regeneração; não a imagem do primeiro Adão, e sim a do segundo Adão. Pois o novo homem é feito segundo a imagem dAquele que o criou de novo, é a imagem de Cristo. Os eleitos de Deus são predestinados a serem conformados a esta imagem; e isso acontece na regeneração (Rm 8.29; Cl 3.10). As graças de Cristo — fé, esperança e amor — são produzidas no coração da pessoa regenerada e logo se tornam visíveis. Sim, o próprio Cristo vive neles. O apóstolo Paulo disse: “Não sou eu quem vive, mas Cristo vive em mim; e esse viver que, agora, tenho na carne, vivo pela fé” (Gl 2.20). Cristo e o crente vivem mutuamente um no outro.

6. A regeneração é explicada como o ser co-participante da natureza divina (2 Pe 1.4). Isto não significa que o nascido de novo se torna participante da natureza essencial de Deus: uma criatura não pode participar da essência divina, e esta não pode ser comunicada à criatura. Isto seria deificar os homens. Muitas das perfeições divinas são totalmente incomunicáveis, como a eternidade, a imensidade, etc. Os nascidos de novo também não participam da natureza divina da mesma maneira como Cristo participa, pela união pessoal e hipostática das duas naturezas nEle, a união em que a plenitude da divindade habita corporalmente nEle. Mas a regeneração produz na alma uma semelhança com a natureza divina em espiritualidade, santidade, bondade, benevolência, etc.; por isso, a regeneração também recebe essa designação.

FONTE: http://www.mayflower.com.br/2010/07/o-novo-nascimento-john-gill-1697-1771.html

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