quarta-feira, 29 de junho de 2011

História do Apóstolo Tomé (doze Homens e uma missão)

Imagem cedida por: http://prsjoseeadri.wordpress.com/pr-jose-artigo-1/colunas-da-igreja-homens-dos-quais-o-mundo-nao-era-digno/tomeh/

TOMÉ

"E logo disse a Tomé: Põe aqui o teu dedo e vê as minhas mãos; chega também a tua mão e põe-na no meu lado; não sejas incrédulo, mas crente..."
João 20.27

Devemos ao Evangelho de João a maior parte das informações bíblicas que temos acerca desse que é conhecido como o discí­pulo da incredulidade. Sua eleição apostólica também está re­gistrada nas passagens sínópticas de Mt 10 e paralelas.
O termo hebraico Tomé significa Gêmeo, assim como a palavra grega Dídimo, pela qual o apóstolo também era chamado (Jo 11.16, 20.24, 21.2).
As freqüentes alusões a Tomé, da parte de João, podem ser um sinal de que o evangelista o conhecia anteriormente ao discipulado, já que ambos eram procedentes do mesmo lugar (embora algumas tradições apontem Antioquia da Síria como lugar de origem de Tomé). A passagem de Jo 21.1-4, onde o vemos pescando no Mar da Galiléia, em companhia de Pedro, Natanael e dos filhos de Zebedeu, durante a terceira aparição do Cristo ressurreto, sugere que Tomé também exercia esse ofício, tradicional dos mo­radores daquela região. Diante dessas circunstâncias, torna-se justificável pres­supor a existência de uma amizade entre Tomé e João, anterior a vocação de ambos apóstolos. Adotaremos essa pressuposição na análise biográfica que taremos a seguir acerca de Tomé.
Eusébio, famoso historiador cristão do quarto século, baseado em fonte não revelada, deixou registrado que o verdadeiro nome deTomé era Judas, embora se desconheça a origem e, portanto, se questione a consistência dessa informação, não é de todo improvável que o termo Tomé realmente signifi­casse o sobrenome do apóstolo, enquanto Dídimo a forma gentílica pela qual era tratado, já que o grego era popularmente utilizado na Galiléia. Te­mos ainda a possibilidade de que Judas fosse seu nome original e Tomé seu nome de discipulado, como vemos ocorrer nos casos de Pedro e Mateus (conf. Mt 16.18 e Mc 3.17).
Estimuladas pelo significado do nome Dídimo, muitas tradições surgiram na tentativa de identificar o suposto irmão (ou irmã) gêmeo de Tomé. Dentre as muitas lendas preservadas pelos séculos, destaca-se a que menciona uma certa Lídia, como sua irmã gêmea. Outra, particularmente improvável, pro­põe a associação de Tomé ao personagem Judas citado em Mt 13.55 - um dos quatro irmãos do Senhor! A impropriedade teológica dessa sugestão reside no ato de que, segundo as Escrituras, nenhum dos irmãos sangüíneos de Jesus creu nEle antes de Sua morte e ressurreição, como vemos em Jo 7.5.

Uma personalidade marcante
As referências bíblicas a Tomé, conquanto se­jam mais numerosas que as da maioria dos discí­pulos, são insuficientes para uma diagnose precisa de sua personalidade, excetuando-se, naturalmen­te, as narrativas que deixam transparecer certos traços de pessimismo e incredulidade em seu tem­peramento, como veremos em detalhes, mais adi­ante. E interessante observarmos a opinião do Dr. McBirnie a respeito das características pesso­ais desse discípulo (op. cit, 142).

"As escassas referências bíblicas que o destacam dentre os Doze parecem indicar um homem questionador e incrédulo.(...) Tomé possuía uma natureza que continha em si mesma certos ele­mentos conflitantes e excessivamente difíceis de serem conciliados: uma peculiar vivacidade de espírito e, concomitantemente, uma inclinação natural que o fazia, com freqüência, enxergar a vida sob uma perspectiva de frieza e desa­lento. Ainda assim, Tomé era um homem de coragem indomável e de traços marcantemente altruístas."

Todo esse dualismo presente na alma do apóstolo parece saltar das linhas bíblicas em cenas como as de Jo 11.1-16, onde encontramos Jesus declarando sua intenção de voltar à Judéia, no intuito de auxiliar o moribundo Lázaro. Os discípulos, atemorizados diante da possibilidade de perseguição por parte dos judeus, tentam dissuadi-lo da idéia, enquanto são surpreendidos pelo convite de Tomé:

"(...) Vamos também nós para morrermos com ele."

Um repente de coragem ou apenas uma colocação irônica? Não sabe­mos com certeza. Talvez, mais do que qualquer um desses extremos, o con­vite de Tomé revele uma natureza ansiosa e inquieta que lhe valeu, mais tarde, o peso de um estigma que os séculos não apagaram.
Alguns comentaristas bíblicos vêem no episódio da noite em que Jesus foi traído outro indício da tão propalada incredulidade de Tomé. Na oca­sião, enquanto o Mestre consolava os corações aflitos de seus seguidores, mostrando-lhes que estava prestes a lhes preparar lugar junto ao Pai, Tomé ansiosamente o interrompe (Jo 14.5).

"(...) Senhor, não sabemos para onde vais; como saber o caminho?"

Seria justo considerar essa interpelação, tão ingenuamente expressada por Tomé, como uma evidência de sua incredulidade? Talvez, ao contrário, ela represente um retrato fiel da absoluta alienação que reinava no entendimento dos discípulos — não apenas de Tomé — quanto ao destino de seu Mestre.
Se, entretanto, esta passagem não deixa traços muito nítidos do ceticismo de Tomé, o mesmo infelizmente não se pode dizer de seu posicionamento inicial quanto à ressurreição do Mestre. Mas, antes de nos atermos à histó­rica desconfiança de Tomé, que tal compararmos sua fé com a de seus condiscípulos no que tange à ressurreição de Jesus? Não devemos nos sur­preender ao verificarmos que o demérito da incredulidade não foi exclusivo do nosso apóstolo, embora os séculos assim o tenham consolidado. Note-se, por exemplo, como os discípulos unanimemente reagiram à reportagem de Maria Madalena e suas amigas que, emocionadas, não continham as lagrimas ante a lembrança do sepulcro vazio:

"Estes, ouvindo que ele vivia e que fora visto por ela, não acreditaram."
Mc 16.11

 "Tais palavras lhes pareciam como um delírio, e não acreditaram nelas."
Lc 24.11

E verdade que essa atitude de descrença por parte dos discípulos, teorica­mente, se explicaria pela indiferença com que os judeus, então, tratavam as mulheres. Contudo, o evangelista Marcos deixa claro que não apenas Maria e suas companheiras haviam testemunhado a ressurreição, mas também ou­tros dois discípulos desconhecidos, os quais depararam com Jesus a caminho de Emaús. É certo que ambos imediatamente notificaram os todos que ali estavam acerca do sucedido. Ainda assim, a disposição geral à incredulidade parece não ter sido alterada.

"E, indo, eles o anunciaram aos demais, mas também a estes dois não deram crédito."
Mc 16.13

Se todas essas citações não são ainda suficientes para convencer o leitor bíblico da injustiça de se culpar apenas Tomé por incredulidade, devemos então considerar as próprias palavras do Mestre aos discípulos, em Seu sú­bito aparecimento naquela tarde de domingo (Mc 16.14).

"Finalmente apareceu Jesus aos onze, quando estavam à mesa, e censu­rou-lhes a incredulidade e dureza de coração, porque não deram crédito aos que o tinham visto já ressuscitado"

Para o Dr. Scofield (A Bíblia Anotada, p.1020), o termo onze foi aqui empregado de forma genérica, não significando, necessariamente, que os onze apóstolos estivessem presentes. Destarte, essa passagem estaria se refe­rindo a mesma situação descrita em Jo 20.19-23, quando da primeira apa­rição de Cristo, estando Tomé ausente. Não há, portanto, qualquer dúvida de que todos os discípulos, invariavelmente, manifestaram flagrante dispo­sição em descrer dos relatos da ressurreição, mesmo que procedentes de seus fiéis companheiros de jornada.
Na atmosfera desoladora que varria o refúgio dos discípulos, imperava tanto a incerteza quanto o medo, e a descrença de Tomé certamente não se destacava da de seus condiscípulos. Confusos sobre o turbilhão de aconte­cimentos que lhes reservara aqueles últimos dias, os discípulos fecharam-se em uma casa, tomados sobretudo pelo pavor de uma potencial perseguição dos líderes religiosos judaicos (conf. Jo 18.19). Porém, a maneira como Jesus interrompe esse momentum é, no mínimo, espetacular. João deixa claro que a aparição do Senhor foi miraculosa, sugerindo algo como uma materialização instantânea em meio aos acabrunhados galileus. Mesmo di­ante de tão grande maravilha, pode-se perceber ainda alguns resquícios de incredulidade no coração dos presentes (Lc 24.37):

"Eles, porém, surpresos e atemorizados, acreditavam estar vendo um es­pírito."

As últimas dúvidas de que tudo aquilo não passava de uma manifestação espiritual só caíram por terra quando, um a um, todos os presentes O apal­param e, por fim, o presenciaram degustar um pedaço de peixe assado (Lc 24.38-43). Nesse momento, em que um júbilo arrebatador pareceu fundir realidade e sonho, a incredulidade de cada um dos apóstolos cedeu lugar à maior de todas as certezas: o Senhor ressuscitou!
Entretanto houve um que não desfrutou desse momento de glória. Por ra­zões que desconhecemos, Tomé não estava presente durante a primeira aparição de Jesus aos discípulos. Infelizmente, essa ausência custou ao apóstolo o ônus da descrença, até então experimentada por cada um de seus companheiros.
Mas, por onde andaria Tomé quando algo tão importante se sucedia em sua pequena comunidade? Sua ausência é registrada nas Escrituras (Jo 20.24), mas não justificada já que, para um discípulo de Cristo, vagar pela alvoroçada Jerusalém naquele momento era algo que envolvia certo risco. Basta consi­derar a delicada situação em que Pedro se viu envolvido poucos dias antes (Mt 26.58, 69-75), ao seguir seu Mestre à distância, até as cercanias da casa de Caifás, onde se dava o julgamento. O fato de o simples sotaque galileu ter imediatamente despertado contra ele suspeitas de cumplicidade com o acusado, demonstra bem o clima de hostilidade a que os seguidores de Jesus, de maneira geral, estavam sujeitos naquela ocasião.
Se Tomé ausentou-se do refúgio a despeito de todo risco que isso impli­cava, é certo que teve razões para fazê-lo. Primeiramente, pode-se presumir uma crise interior enfrentada pelo apóstolo, diante do desmantelamento de sua estrutura emocional, em face da frustração de suas expectativas. E provável que o choque daquela realidade inusitada tenha requerido de Tomé algumas horas ou mesmo dias de isolamento, na busca de uma reflexão que emprestasse sentido a tudo aquilo que subitamente lhe sucedera. O peso dos anos investidos em seguir Aquele sobre quem depositara sua esperança e seus projetos de futuro, pode ter despencado com todo vigor sobre Tomé naquele momento. Daí a busca por um momento de solitude.
Mas devemos considerar também a possibilidade de que essa histórica ausência do apóstolo se tenha dado por uma razão muito simples e corri­queira. Tomé poderia, por exemplo, ter sido escalado para providenciar os mantimentos necessários para a subsistência dos discípulos, então refugia­dos. Isso teria feito com que Tomé se ausentasse dos demais por um razoável período de tempo, visto que essa tarefa deveria ser conduzida de maneira a não levantar qualquer suspeita sobre sua ligação com o Nazareno.
Quaisquer que tenham sido as razões que justificaram sua saída, o fato é que nosso apóstolo não presenciou o glorioso momento na manifestação de Cristo a seus companheiros naquele domingo. Não testemunhou Suas pisaduras, nem tampouco pode ouvir as explanações sobre as profecias que nEle se cumpriram. A partir daquela tarde, todos os que compunham o círculo íntimo de Jesus, de um modo ou de outro, já O haviam contempla­do ressuscitado. Exceto Tomé.
A análise das circunstâncias que envolveram o ceticismo de Tomé sobre a ressurreição de Cristo diante do testemunho de tantos amigos nos leva a reco­nhecer que o apóstolo acabou estigmatizado pela incredulidade e pela descren­ça não por ter sido o único dentre os onze a duvidar, mas por ter conduzido seu ceticismo a um nível de detalhamento e impertinência sem paralelo nos cora­ções dos demais discípulos. Em contrapartida às declarações de seus amigos que jubilosamente lhe diziam "Vimos o Senhor" (Jo 20.25), Tomé resoluta­mente estendia suas exigências, sem as quais jamais engrossaria a fileira dos que creram. Para a mente racionalista de Tomé, cercar-se de tantos cuidados naque­le momento tinha sua razão: não teriam o estresse e a forte pressão psicológica daqueles dias afetado os sentidos dos discípulos, a ponto de transformá-los em alvos de alucinações arrebatadoras? Como uma miragem para o sedento no deserto, esses testemunhos não refletiriam um delírio causado pelo desejo incontrolável de reverter aquela desalentadora realidade? Aos olhos de Tomé, como que por contágio, aquele "mal" parecia ter rapidamente se disseminado desde o coração de Maria Madalena até os impetuosos Pedro, Tiago e João.
Para certificar-se de que não seria mais uma vítima dessas armadilhas sen-soriais, nosso apóstolo estabelece alguns critérios práticos. Para ele, não bas­taria a simples contemplação do Ressurreto, mas a constatação tátil dos ferimentos de Sua cruz, causados de maneira inconfundível pelo suplício que o apóstolo provavelmente testemunhou (conf. Lc 23.49). Até mesmo o mór­bido detalhe da perfuração pela lança do centurião, por sob as costelas de Jesus, não deveria ser esquecido:

"(...) Se eu não vir nas suas mãos o sinal dos cravos, e ali não puser o meu dedo, e não puser a minha mão no seu lado, de modo algum acreditarei."
Jo 20.25

Oito dias após a primeira aparição (Jo 20.26), Jesus torna a manifestar-se aos Seus ainda temerosos aprendizes. Na ocasião, Tomé foi, por fim, con­frontado com a amargura de sua descrença. João registra a admoestação da qual foi alvo o apóstolo, não omitindo a ênfase com que o Senhor repudia semelhante disposição (To 20.26,29):

"E logo disse a Tomé: Põe aqui o teu dedo e vê as minhas mãos; chega também a tua mão e põe-na no meu lado; não sejas incrédulo, mas crente.
(...)
Porque me viste creste? Bem-aventurados os que não viram e creram."

A forte repreensão dirigida a Tomé produziu, contudo, "frutos dignos de arrependimento". O efeito sobre ele foi imediato e a convicção espiritu­al detonada pela remoção da dúvida - pelo menos naquele momento -tornou-se mais profunda e vigorosa que em qualquer um dos demais discí­pulos. As palavras com as quais Tomé expressa seu júbilo e sua confiança no Cristo Ressurreto estão impregnadas de um conteúdo teológico, até então, jamais encontrado em lábios apostólicos (Jo 20.28).

"Respondeu-lhe Tomé: Senhor meu e Deus meu!"

Durante o lapso de quarenta dias, entre a ressurreição e a ascensão, Jesus manifesta-Se aos discípulos também na Galiléia, como já lhes havia predito (Mt 28.7). Embora algumas outras aparições possam ter se sucedido nesse intervalo de tempo (conf. 1 Co 15-4-8), interessa-nos particularmente ob­servar o marcante encontro de Jesus com sete de Seus discípulos — entre os quais Tomé - às margens do Mar da Galiléia (Jo 21).
Tomé, tanto quanto os demais, permanecia em suspenso e repleto de indagações acerca do futuro de seu discipulado, embora já não mais tivesse qualquer dúvida sobre o cumprimento das Escrituras no sofrimento, morte e ressurreição de seu Mestre. Essas asseverações teológicas, entretanto, não pouparam Tomé e seus amigos da incômoda expectativa que se seguiu às primeiras duas aparições de Cristo. De tal sorte que, durante o intervalo entre a ressurreição e a ascensão, lá estavam eles, de volta ao exercício de sua antiga profissão às margens do Mar da Galiléia. Estariam eles apenas se ocupando enquanto aguardavam a prometida manifestação de Jesus por aquelas bandas (Mt 28.7, Mc 16.7)? Ou seria, antes, um sinal de desânimo e retorno à velha rotina, face às perturbações de um apostolado incerto? O que quer que tenha motivado o retorno dos discípulos ao seu antigo ofício na Galiléia, o fato é que as aparições do Ressurreto, tanto na Judéia quanto na Galiléia, principiaram um tempo de transformação profunda no entendi­mento dos onze, especialmente no que se refere ao comprometimento do discipulado; tanto que, pouco depois, os encontramos novamente congrega­dos na Judéia, sobre o Monte da Oliveiras, atentando às instruções que pre­cederam a ascensão do Senhor.
O tremendo impacto exercido por esse episódio sobre o coração de Tomé e seus companheiros foi registrado por Lucas, ao final de seu Evangelho.

"E aconteceu que, enquanto os abençoava, ia-se retirando deles, sendo elevado para o céu. Então eles, adorando-o, voltaram para Jerusalém, to­mados de grande júbilo; e estavam sempre no templo, louvando a Deus."
(Lc 24.51-55)

As determinações de Jesus aos Seus espectadores no Monte das Oliveiras incluíam - entre outras coisas - a necessidade da permanência em Jerusalém pela espera da anunciada "Promessa do Pai" (Jo 15.26; Lc 24.49), que se tornaria realidade no Pentecostes e que lhes outorgaria o "revestimento de poder", necessário para o pleno exercício de suas funções apostólicas. Então, devidamente equipados pelo Espírito, aqueles galileus estenderiam suas ações ministeriais aos lugares mais remotos do mundo antigo e sob circunstâncias as mais variadas, diante das quais triunfariam como campeões da fé cristã.
Como um significativo componente motivacional, a experiência do Batismo no Espírito Santo vivida no Pentecostes por Tomé e seus companheiros culminou na entrega incondicional de suas vidas à causa cristã, a despeito das severas conse­qüências que adviriam. Foi em função dessa entrega que Tomé edificou sua car­reira apostólica, amplamente tratada pela tradição cristã primitiva. Veremos a seguir um pouco do que as lendas da Antigüidade narram sobre ela.

A rica tradição sobre as missões de Tomé
Historicamente falando, sabe-se mais acerca de Tomé do que de qualquer dos demais discípulos, excetuados Pedro e João. São tão numerosas quanto variadas as tra­dições que relatam suas campanhas missionárias pelo mundo do pri­meiro século.
Constam das regiões tradicio­nalmente visitadas por Tomé a Babilônia, a Pérsia, a Média, a misteriosa Etiópia asiática, a China e, sobretudo, a exótica índia, cujo cristianis­mo deve suas origens à determinação evangelística do apóstolo.
A cristianização da índia por Tomé — ou Judas Tomé, como algumas lendas o chamam — é atestada por manuscritos antigos como O Ensino dos Apóstolos (Didascalia Apostolorum), composto entre o fim do segundo e início do terceiro século.

"A índia e todas as regiões a ela pertencentes, assim como suas adjacências até o mais distante mar, receberam a ordenação apostólica do sacerdócio de Judas Tomé, que se tornou o guia e o líder da Igreja ali estabelecida, na qual ele mesmo ministrou."

Uma publicação que comemorou a visita do Patriarca da Igreja Oriental à índia registra um interessante testemunho das missões de Tomé àquela região:

"Há mais de mil e novecentos anos, o apóstolo São Tomé, após estabele­cer a primeira comunidade cristã em meio ao seu povo em Babilônia, voltou-se à índia, dirigido pelo Espírito Santo e, movido por um zelo evan­gélico, atravessou todo esse subcontinente anunciando as Boas-Novas e batizando todos quantos creram no Senhor. Suas palavras caíram em terra boa e, produzindo fruto cento por um, se espalharam por todos os países da Ásia. No entanto, dadas as vicissitudes da história, esta Igreja fundada com sangue dos mártires, através dos séculos, tornou-se quase extinta, sendo reduzida a um pequeno e disperso remanescente."

Na distante índia, Tomé não apenas conquistou vários milhares de almas para Cristo, mas também estabeleceu congregações por onde passou. Em função do sucesso de seu ministério, Tomé foi alvo de severas perseguições que culminaram em seu martírio, como veremos mais adiante.
Entretanto, antes de atingir esse país, entre 49 e 50 A.D., nosso apóstolo é citado pela história eclesiástica como protagonista de importantes missões na Pérsia (atual Irã), em companhia de Judas Tadeu.
As tradições ligadas às igrejas do sul da índia relatam que Tomé atingiu a região aportando em Malabar, em 52 A.D., com o provável objetivo de alcançar com o evangelho as colônias sírias, gregas e judaicas de Murizis-Cranganora. A partir dali, o apóstolo iniciou suas missões evangelísticas, das quais germinariam diversas igrejas ao longo de todo sul da índia. Pelo que sugerem lendas locais, os cristãos de Malabar, devido ao isolamento geográ­fico da região, mantiveram a pureza doutrinária da fé durante vários séculos.
Os relatos que ligam Tomé à evangelização da índia reforçam a tese — defen­dida por muitos autores atuais — de que a Igreja daquele país teve seu início ainda em tempos apostólicos. O historiador Aziz Atya defende essa possibili­dade, comentando uma antiga lenda que envolve nosso personagem e o rei indiano Gondofares (citado em The Search for The Twelve Apostles, p.148).

"A congregação cristã do sul da índia sempre se orgulhou da longa tradição apostólica de seu cristianismo, que se diz ter sido introduzido em Malabar pelo apóstolo Tomé, cujo nome foi por ela adotado.
A origem literária dessa tradição é fundamentada no apócrifo 'Atos de Judas-Tomé', atribuído ao famoso escritor Bardesanes (154-222 A.D.), por volta do fim do segundo século ou começo do terceiro. Segundo ela, um certo Abanes, mercador enviado à Síria, foi comissionado pelo rei indiano Gondofares a procurar, naquele país, um hábil arquiteto que pudesse cons­truir seu palácio. A lenda afirma que o comerciante foi dirigido pelo Espí­rito Santo ao mercado de Jerusalém de encontro a Tomé, que o acompanha de volta à índia. Lá chegando, Tomé concordou com o rei em assumir a tarefa durante o inverno, ao invés do verão quando costumeiramente se iniciavam construções naquele lugar. Isso porque o santo idealizava em seu coração um palácio celestial e não material, o que o motivou a dissi­par os fundos reais, distribuindo-os entre os pobres. Tomé foi, por isso, capturado e preso por ordem do rei. Entrementes, Gad, o irmão do sobe­rano, faleceu e durante seu velório o mesmo teria contemplado todo o esplendor do palácio celestial anunciado por Tomé. Voltando miraculosamente à vida, Gad testemunhou de sua espantosa visão. O rei e seu irmão, então, libertaram o apóstolo e foram por ele batizados."

Com efeito, os traços sobrenaturais desse relato envolvendo Tomé e o rei indiano fizeram-no permanecer por muitos anos no campo da mera fantasia. Entretanto, pesquisas recentes desenterraram informações que sugerem a historicidade — ao menos parcial — dessa tradição. Primeiramente, deve-se con­siderar que, no período apostólico, a rota marítima para índia já era muito utilizada por mercadores ocidentais, especialmente com vistas ao comércio de pimenta. Isso explica porque moedas romanas do primeiro século foram en­contradas no solo de Malabar. Esse fluxo comercial deve ter trazido ao conhe­cimento de alguns apóstolos a existência de populosas cidades e de colônias judaicas naquela região. A numismática lançou outra importante luz sobre a lenda, ao encontrar moedas com as inscrições de dois personagens tidos, ate então, como figuras imaginárias: o rei Gondofares e seu irmão Gad. Com base em uma inscrição descoberta em Gandara, também contendo citações de am­bos soberanos, determinou-se o período do reinado de Gondofares entre 19 e 45 A.D., o que o situa próximo à chegada de Tomé àquele país. Existe, portan­to, plausibilidade histórica para o relato de Tomé e Gondofares, embora seus detalhes possam e devam ser, com justiça, questionados.
As missões de Tomé ao Oriente aparecem também citadas no manuscrito Atos de São Tomé na índia, uma das mais antigas referências sobre o assunto, cuja produção data de fins do século II. De acordo com essa narrativa, os apóstolos dividiram o mundo entre si, visando equacionar os esforços evangelísticos a serem empreendidos. Feita a partilha, Tomé é designado à longínqua e desconhecida índia. Revoltado com a escolha, o apóstolo nega-se a aceitar o compromisso. Jesus, então, aparece-lhe em visão e confirma sua vocação para o Oriente. Como permanecesse irredutível, o Senhor permitiu que Tomé fosse tomado e vendido como escravo ao mercador indiano Aba-nes, que o conduziu à índia em cumprimento aos desígnios divinos. Posteri­ormente, contudo, Tomé reconhece a direção divina naquela escolha e rende-se à parte que lhe fora proposta no ministério, tornando-se célebre por sua significativa colheita de almas na índia.
Lendas à parte, é possível que missões cristãs à índia, como as atribuídas a Tomé, na segunda metade do séc. I, tenham seguido um alvo bem defini­do: as colônias judaicas lá estabelecidas. Sabe-se que uma leva de judeus aportou no país por volta de 72 A.D., após a fracassada revolta contra os romanos, quando Jerusalém e outras localidades palestinas foram pulveri­zadas. Isso significa dizer que os judeus de então já tinham algum conheci­mento daquele país oriental. Mas, curiosamente, a chegada desses colonos ao sul da índia pode ter antecedentes históricos que remontam a tempos bem anteriores ao período apostólico.
Baseado na obra de Marcellus Bless, clérigo da Companhia Holandesa das índias Orientais, o erudito alemão J. G. Eichhorn publicou, cerca de duzentos anos atrás, um documento sobre a comunidade judaica de Cochin, na índia. Bless elaborara seu escrito a partir das informações do judeu con­vertido Leopold Immanuel Jacob Van Dorf que, em 1757, tivera contato com um importante manuscrito do patriarcado judaico de Cochin. Segun­do a Crônica dos Judeus de Cochin, a história da colonização judaica no sul da índia teve início com o exílio imposto pelo rei Salmaneser (727-722 a.O), responsável pelo cerco e conquista da Samaria durante os dias do rei Oséias, nino de Elá (1 Rs 17). Segundo o texto, o soberano assírio exilou cerca de 460 judeus numa região que hoje compreende o Iêmen. Após alguns sécu­los muitos desses exilados, ouvindo falar das regiões de Poona e Gujerat na Índia, decidiram deslocar-se para lá, levando consigo cópias dos livros sa­grados. Ali, tendo sofrido várias pressões para abdicar da fé, muitos decidi­ram rumar para a região de Malabar, onde fixaram residência, após as boas-vindas de Cherman Perumal, o governador local.
Ainda que imprecisas ou mesmo contraditórias, as lendas que relatam as imigrações judaicas para a região de Cochin tornam presumível a existência de colônias judaicas na índia durante o período apostólico. Isso, por certo, transformaria o sul daquele país, particularmente a costa de Malabar - onde se concentra a maior parte das lendas sobre as viagens de Tomé ao Oriente — num atraente pólo para evangelização.
Em 378 A.D., o monge e escritor Jerônimo de Belém, ao comentar a maravilhosa propagação do cristianismo a partir do período apostólico, não deixa dúvidas de que a índia estava inserida nas principais rotas missionárias dos primeiros séculos.

"Desde a índia até a Britânia, por todas as nações ecoam a morte e a ressurreição de Cristo."

Escrevendo sobre a vida e a obra dos apóstolos em 1685, o autor britâni­co Dorman Newman também registra o ministério de Tomé em diversas regiões do Oriente:

"A região designada ao apostolado de Tomé foi a Partia. Mais tarde, pregou o evangelho na Média, na Pérsia, na Horcânia, na Báctria e nas regiões vizinhas. Na Pérsia, encontrou-se com um sábio que fora por ele batiza­do, e que o seguiu em sua jornada. Dali, anunciou a Palavra na Etiópia, atingindo a índia. Embora temeroso, uma visão o confortou acerca da presença de Deus ao seu lado nesse empreendimento.
Os portugueses nos afirmam que São Tomé chegou primeiramente a Socotara, uma ilha no Mar Arábico e, então, a Canianor onde, após ter convertido a muitos, estendeu sua viagem mais ao oriente. Ao retornar a Coromandel, começou a construção de um local de adoração cristã, até ser proibido pelo sacerdote e príncipe da região. Não obstante, a sucessão de seus milagres fez não apenas com que esse trabalho fosse concluído, mas também com que Sagamo, o rei, abraçasse a fé cristã."

O teólogo católico A. M. Mundadan, um dos mais respeitáveis pesquisa­dores da missão de Tomé na índia, compilou os resultados de seus estudos sobre o assunto para sua tese de doutorado no livro denominado The Traditions ofSaint Thomas Christians (As Tradições dos Cristãos de São Tomé). Seu texto, embora claramente romanista em alguns momentos, mostra-se muito elucidativo no que se refere ao ministério de Tomé no Oriente. Eis alguns excertos que merecem destaque:

"Os portugueses chegaram à índia no final do século quinze. Quando ali aportaram, já possuíam alguma informação, ainda que vaga, com respeito ao apostolado de São Tomé naquele país. Não muito depois de sua chega­da, os portugueses começaram a receber uma série de reportagens acerca daquilo que descreviam como 'A Casa' e 'A Tumba' de São Tomé em Milapora, na costa de Coromandel. Entretanto, durante as duas primeiras décadas, os oficiais portugueses estiveram tão ocupados com a costa de Malabar e Goa que dedicaram pouca ou quase nenhuma atenção aos assuntos relativos a Coromandel. Foi a partir das primeiras décadas do século dezesseis que dedicaram sérios esforços em explorar Milapora e Coromandel, em busca da 'Casa de São Tomé'.
(...)
Nossa fonte de pesquisa sobre o apostolado indiano de São Tomé é, basi­camente, a tradição, uma vez não se dispõe de qualquer manuscrito con­temporâneo a este ministério (...) O mais antigo testemunho que temos acerca da pregação de São Tomé na índia refere-se ao romance apócrifo 'Atos de São Tomé", escrito em siríaco, entre o final do segundo e princí­pio do terceiro século. Do século III em diante encontramos freqüentes alusões ao apostolado parto ou indiano de São Tomé nos escritos dos Pais da Igreja, bem como de outros escritores eclesiásticos. A partir do quarto século a tradição a esse respeito torna-se constante e unânime.
(...)
O conteúdo da tradição ocidental sobre o assunto (...) pode ser assim sintetizado: o apóstolo Tomé pregou o evangelho na Partia e na índia, converteu a muitos, inclusive membros da realeza, vindo, posterior­mente, a sofrer martírio (...) A principal fonte dessa tradição é, sem dúvida, o apócrifo 'Atos de São Tomé', no qual a índia é mencionada como o palco de suas atividades. Embora os escritores do terceiro sé­culo até o Concilio de Nicéia identifiquem o local como a Partia, os autores pós-nicenos o reconhecem como sendo a índia.
(...)
A tradição indiana não é, de todo, uniforme em seu conteúdo, variando conforme a fonte e o lugar. Podemos resumi-la da seguinte forma: São Tomé, um dos doze apóstolos de Nosso Senhor veio diretamente do oci­dente próximo e aportou em Cranganora, em aproximadamente 52 A.D. Converteu famílias da alta casta hindu de Cranganora, Palaiur e Quilon, consagrando sacerdotes dentre os membros de algumas delas; construiu sete igrejas e erigiu algumas cruzes; passou então à costa oriental, onde sofreu martírio. Sua tumba encontra-se na costa de Milapora.
(...)
A tradição ocidental geralmente toma como base os 'Atos de São Tomé'. Assim, os autores que negam o valor histórico dessa obra, negam, conse­qüentemente e por completo, o apostolado indiano de São Tomé. Aque­les, no entanto, que defendem o ministério de Tomé no norte da índia, acabam por atribuir alguma historicidade a esse escrito apócrifo. Estamos, no entanto, inclinados a afirmar que os 'Atos de São Tomé' não podem ter sido a única fonte da tradição ocidental sobre o assunto, uma vez que ela apresenta-se constante e unânime desde o princípio do quarto século e, especialmente, porque alguns dos Pais da Igreja, já por essa época, reco­nheciam esse escrito como apócrifo. Deve ter existido algum forte ele­mento na tradição oral acerca do apostolado de São Tomé, antes da composição dos 'Atos' e que deu origem ao núcleo de onde se desenvol­veu esse romance.
(...)
O apóstolo São Tomé foi enviado por ordens de Cristo às partes da índia. Foi acompanhado por dois outros apóstolos, São Judas e São Bartolomeu. Tomé e Judas Tadeu visitaram, primeiramente, a Babilônia e, após passarem por Bacora, se dirigiram a Qualexquadaqua onde Judas Tadeu permaneceu, convertendo muitos ao cristianismo e construindo casas de oração.(...) São Bartolomeu passou aos termos da Pérsia e, uma vez morto, foi sepultado em um mosteiro em Tabris, na região de Xequismael. (...) São Tomé, dei­xando Judas Tadeu, voltou-se a Socotora e, posteriormente, a Milapora e a China; na Cabália converteu a muitos e construiu uma casa de oração. De lá, retornou a Milapora, onde viveu numa colina, aproximadamente uma légua e meia do local onde, mais tarde, se construiria sua casa.
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Amador Correia que, em 1564, descreveu a Festa dos Cristãos de São Tomé, relata que tal festividade se realizava em celebração à chegada do apóstolo, após sua longa jornada marítima, aportando a duas léguas de Cranganora. Roz, que bem conhecia a tradição oriunda dos livros caldeus bem como a tradição local, tanto oral como escrita, nos conta que São Tomé vendeu-se como escravo para um certo senhor, embaixador do rei de Bisnaga, objetivando atingir a índia e pregar o evangelho. Ali chegan­do, anunciou a Palavra e muitos se batizaram em Cambaia e nas terras de Mogor, Socotora, Malabar e Bisnaga, chegando até a China "(...) de acor­do com o Breviário Caldeu de São Tomé. Nesses lugares, ainda hoje, se acham vestígios desse cristianismo primitivo.
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São Tomé pregou o evangelho, batizou pessoas e fundou igrejas por todos os lugares por onde andou. De acordo com uma inscrição em pedra, interpretada pelos cristãos de São Tomé (...) o apóstolo converteu três dos principais reis da índia: o de Bisnaga, por eles chamado Xoren Perumal, o de Pandi, chamado Pandi Perumal e de toda Malabar, Xaran Perumal.
(...)
Quanto à possibilidade de São Tomé ter pregado na índia (quer em regiões do sul ou do norte), ninguém pode realmente questionar. Seria um despro­pósito crer que o cristianismo tenha sido anunciado pelos discípulos apenas nos limites do Império Romano, sempre no sentido ocidental. O despertar da Era Cristã verificou a existência de muitas rotas comerciais que conectavam o ocidente ao distante oriente, as quais eram muito utilizadas. Algumas rotas terrestres atingiam o norte da índia, enquanto as marítimas alcança­vam a costa de Malabar e outras regiões meridionais daquele país. Portanto, ninguém pode, consistentemente, negar a possibilidade de um ou mais dos discípulos ter visitado a índia e pregado o cristianismo naquele lugar."

Embora parte da tradição dos Atos de Tomé sugira o noroeste, é mais provável que o cerne do ministério do apóstolo na índia tenha sido a região sul, precisamente a costa de Malabar. Se, por um lado, há escassas evidênci­as históricas da cristianização do norte indiano, a região meridional apre­senta não apenas o testemunho milenar dos cristãos de São Tomé — que reclamam suas raízes diretamente do apóstolo — mas também a chamada Tumba de São Tomé em Milapora, assim identificada desde o século XIII.
A chegada entre os cristãos indianos primitivos de um certo Tomé de Cana, mercador cristão de origem síria, que também parece ter pregado a palavra na região, trouxe um certo descrédito para a decantada missão do apóstolo na índia. Sugeriu-se que, cora o passar dos anos, a tradição local pudesse ter con­fundido ambos os personagens. É preciso lembrar, entretanto, que a tradição tanto oral como escrita dos cristãos de Malabar sempre se demonstrou cuida­dosa em distinguir esse obscuro personagem do apóstolo de Jesus Cristo.
Após a morte de Tomé, as lendas contam que a comunidade dos cristãos de São Tomé permaneceu aproximadamente noventa anos desprovida de lideran­ça eclesiástica, tornando-se suscetível a desvios doutrinários. Essa fragilidade confirmou-se, pouco depois, com o advento do místico Manikabashar que, após operar vários encantamentos em Milapora, seduziu muitos cristãos locais com sua falsa doutrina. Contudo, aproximadamente cento e sessenta famílias que permaneceram fiéis ao evangelho refugiaram-se em Malabar, encontrando apoio no seio dos crentes da região. Essa migração fortaleceu o cristianismo do sul da índia e contribuiu para sua preservação, até os dias atuais.
A Igreja sírio-indiana de Mar-Thoma constitui-se em mais uma evidência da presença de Tomé no sul da índia. O Rev. T P. Abraham, em seu artigo The Mar-Thoma Church: An Historical Sketch (A Igreja Mar-Thoma: Um Esboço Histórico), relata as origens dessa denominação oriental:
"Juntas, a história e a tradição provêem material suficiente para crermos nas lendas que apontam São Tomé como fundador da Igreja Indiana, em 52 A.D. Através dos tempos, a jovem Igreja, enraizada nas terras de Kerala, registrou tremendo crescimento em várias partes desse estado do sul da índia. Contudo, após o martírio do apóstolo São Tomé, o crescimento, o desenvolvimento e as missões dessa comunidade foram cobertos por gran­de mistério. Por um período de quinze séculos a Igreja Síria (Mar-Thoma) manteve relações cordiais com as Igrejas Alexandrina e Persa.(...) Durante a Idade Média, a Igreja conectou-se ao cristianismo europeu. Muitos missio­nários como João de Monte Corvino, Marcopolo, Jordanus, Oderico e ou­tros, visitaram Kerala. A partir dos relatos dessas viagens aprendemos muito acerca da Igreja neste período. Porém, só obtivemos uma história detalhada da Igreja com a chegada dos portugueses, na última década do séc. XV."

Como se deu o martírio de Tomé?
As lendas acerca do martírio de Tomé são tão numerosas quanto aquelas sobre seu extenso ministério. Embora as circunstâncias e a data em que o apóstolo encerrou sua gloriosa carreira variem segundo as várias tradições sobre o assunto, alguns pontos em comum podem ser facilmente percebi­dos. Antes de tudo, parece não haver dúvidas de que Tomé foi realmente martirizado em decorrência da proclamação de sua fé, e de que essa execução se sucedeu em algum lugar do sul da índia, talvez em Malabar, onde o após­tolo supostamente exerceu os últimos anos de seu profícuo ministério. Mui­tas narrativas concordam também que Tomé morreu de forma violenta, perfurado por uma lança ou por um pequeno dardo. Algumas apresentam seus executores como criminosos enviados pelo rei indiano Mizdi, outras como sacerdotes brâmanes, enciumados com o sucesso que a doutrina trazida por Tomé fazia entre os habitantes locais.
Ao longo do século XVI, os exploradores portugueses à índia, ao inqui­rirem os nativos visando investigar as lendas acerca do suplício de Tomé, resgataram algumas importantes versões sobre o caso, como nos conta o então missionário Diogo Couto (citado em The Search for the Tivelve Apostles, p. 160):

"Os brâmanes, enfurecidos após serem desacreditados diante do rei pela virtude de São Tomé, se dispuseram a matá-lo. Sabendo que o apóstolo se encontrava em uma caverna nas proximidades da Pequena Montanha (que, ao tempo de Tomé era conhecida como Antenodur), concentraram-se pró­ximos à escarpa do morro, onde se achava um estreito orifício, através do qual a caverna recebia um pouco de luz. Observando pelo pequeno bura­co, enxergaram o apóstolo orando, com seus olhos fechados e prostrado sobre seus joelhos. Encontrava-se de tal maneira tomado por um profundo êxtase espiritual que parecia desfalecido. Os brâmanes, então, atiraram uma lança pelo orifício a qual, atingindo o apóstolo, feriu-o mortalmente(...). O ferimento causado pela penetração do dardo aprofundou-se por cerca de meio palmo no corpo de Tomé. Quando ouviram seu gemido, os assassinos fugiram. Tomé, pois, em sua agonia de morte, arrastou-se desde a caverna até o chamado Grande Monte onde, finalmente, expirou."

A mesma narrativa continua, registrando que o Grande Monte para o qual Tomé se dirigiu, já em seus últimos momentos de vida, era o sítio principal de suas ministrações evangelísticas e o local onde geralmente con­gregava seus discípulos. Ali, diz a lenda, o estertorante apóstolo, abraçado em uma cruz de pedra, encomendou sua alma ao Mestre.
Aversão do caso, contada por Dorman Newman em 1685, no livro The Lives and Deaths of the Holy Apostles, coincide em alguns pontos com a compilada pelo português Diogo Couto, especialmente no que se refere ao complô dos sacerdotes brâmanes contra a vida de Tomé.
"Percebendo que isso comprometeria seu negócio e, a certa altura, ame­açaria extirpar sua religião daquele país, os brâmanes decidiram interrom­per a expansão do evangelho, resolvendo em conselho tirar a vida do apóstolo Tomé. Este habitualmente se encontrava com seus discípulos em uma caverna não muito distante de Carmandal. Os brâmanes e seus se­guidores seguiram-no até o local e, enquanto o apóstolo se dispôs a orar, lançaram-se contra ele, executando-o com dardos e lanças.
Newman comenta ainda que os exploradores portugueses na índia rece­beram algumas placas de bronze, decifradas por um certo judeu, nas quais foram verificadas alusões à doação oficial de um lote de terra à Tomé, des­tinado à edificação de uma Igreja. No interior desse santuário os lusitanos teriam encontrado uma cruz repleta de escritos ininteligíveis. Após ser deci­frado por um sábio brâmane, o texto rezava o seguinte:
"Tomé, um homem de divina procedência, foi enviado a todas as regiões pelo Filho de Deus nos dias do Rei Sagamo, a fim de instruir os povos acerca do Deus verdadeiro. Construiu uma Igreja e realizou milagres ad­miráveis. Porém, ao orar prostrado sobre seus joelhos foi atravessado por uma lança, ficando esta cruz manchada com seu sangue, deixada como memorial desses acontecimentos".

As relíquias e o túmulo de Tomé
Se os relatos que tratam da rota apostólica de Tomé se apresentam, fre­qüentemente, confusos ou mesmo contraditórios, o mesmo se pode afir­mar das lendas referentes ao destino de seus restos mortais.
João Crisóstomo, monge e Patriarca de Constantinopla (séculos IV-V), foi um dos primeiros a mencionar os restos do apóstolo Tomé. Embora não defi­na claramente o local, Crisóstomo afirma que a túmulo do discípulo encontrava-se junto aos de Pedro e Paulo. Presume-se que Crisóstomo estivesse se refe­rindo a Roma, uma vez que a tradição que liga o túmulo de Pedro àquela cidade já se encontrava definitivamente estabelecida no século IV.
Comentando sobre o tema em sua obra The Traditions of Saint Thomas Christians (As Tradições dos Cristãos de São Tomé), o Dr. Mundadan acrescenta.

"De acordo com os Atos de Tomé, antes de A.D. 200 A.D. os ossos do apóstolo devem ter sido removidos para o ocidente. Algum tempo depois do suplício e do sepultamento de São Tomé, o filho de Mazdai, soberano da região em que o apóstolo foi martirizado, caiu enfermo. Na tentativa de curar seu filho expondo-o às relíquias do apóstolo, o rei abre o túmulo de Tomé, mas não encontra seus restos 'porquanto um dos cristãos locais secretamente os tomou e os conduziu ao ocidente'."

A lenda continua, afirmando que embora Mazdai, em sua busca desespe­rada, tenha encontrado vazia a tumba, determinou levar consigo uma peque­na porção da terra do sarcófago para, logo a seguir, derramá-la sobre o príncipe moribundo, na esperança de que a virtude curadora de Tomé ainda se mani­festasse. Com o restabelecimento miraculoso do jovem soberano, toda a realeza teria, então, se convertido ao evangelho.
Lendas que remontam aos séculos V e VI relatam que o funeral de Tomé foi sobremodo honroso e marcado por eventos sobrenaturais que continua­ram se sucedendo por algum tempo nas proximidades de seu túmulo.
Da mesma época provém a tradição de que cristãos sírios requisitaram ao imperador romano do Oriente que custeasse a transferência das relíquias de Tomé da índia para Edessa, na Mesopotâmia setentrional. Conquanto esse evento não conte com o respaldo das missões portuguesas à índia — que mostraram nada descobrir sobre o assunto — algumas lendas da região de Edessa comemoram o dia três de julho como a data da célebre chegada do corpo à cidade.
Ê possível que o zelo dos cristãos de Edessa pelos restos do apóstolo reflita alguma tradição mais antiga ligando Tomé àquela cidade mesopotâmica. Em­bora só tenha sido incorporada ao Império Romano sob Caracala no séc. III, Edessa constituía um importante entreposto comercial, pelo qual passavam mercadores ocidentais em suas rotas para a Mesopotâmia, a Partia, a Pérsia e a índia. Essa geografia estratégica fez de Edessa um centro para o qual afluíram alguns missionários cristãos, dentre os quais possivelmente alguns apóstolos, já que o cristianismo parece ter chegado ali antes do fim do primeiro século.
Mufazzal Abil-Fazail, historiador do século XIV, incluiu em seu texto sobre a saga dos sultãos mamelucos, uma menção especial ao mosteiro de MarTouma, na índia, que — segundo ele — abrigava a "eternamente viva mão de um dos discípulos de Nosso Senhor, o Messias". Conforme conta Abil-Fazail, 0s peregrinos que visitavam o local testemunhavam o óleo santo que escorria da mão do apóstolo Tomé, cuidadosamente preservada em um nicho nos subterrâneos do mosteiro.
Tomé Lopes, que acompanhou o explorador Vasco da Gama em sua se­gunda viagem à índia, em 1503, afirma que os cristãos locais diziam ter conduzido grandes peregrinações ao lugar que tradicionalmente se cria ser a tumba do apóstolo Tomé. Não obstante, autoridades sobre o assunto, como o Dr. Mundadan, sustentam que os portugueses, apesar de empreenderem severos esforços e receberem importantes orientações de viajantes europeus, mercadores armênios e dos próprios cristãos indianos, nunca chegaram a atingir o sítio no qual se cria estar o túmulo de São Tomé.
O local hoje estudado como sendo possivelmente a tumba do apóstolo na índia, foi descrito pelo Dr. George Schurhammer, em seu prefácio ao livro Traditions of the Saint Thomas Christians.

"Os blocos pertencentes à porção mais antiga do túmulo, correspondente ao muro sul, medem cerca de 15,5 polegadas de comprimento por 8 de largura e 3 de espessura. O Sr. Longhurst, do Departamento de Arqueolo­gia, em Southern Circle, na índia, que inspecionou a tumba em 1921, declarou que os referidos blocos são antiqüíssimos e que, exceto pela inferioridade de seu comprimento, são do mesmo tipo encontrado em antigos templos budistas (...) Vinte e quatro anos depois, em 1945, esca­vações foram conduzidas ao sul de Milapora, nos arredores de Arikamedu, próximo a Pondicherry, onde se descobriu, pela primeira vez na índia, os restos de um mercado romano, fundado no princípio do século I. O pri­meiro estrato do edifício era de madeira e a cerâmica remontava ao pri­meiro século. Já a segunda camada, começada por volta de 50 A.D. e abandonada pouco antes do fim do primeiro século, era de blocos cujas dimensões mostraram-se idênticas às da tumba de São Tomé em Milapora, ou seja, 15,5 x 8 x 3! Os blocos que se acrescentaram ao edifício durante o segundo século, apresentam, por sua vez, dimensões diferentes."

Portanto, o local comumente aceito na atualidade como o túmulo de São Tomé está situado em Milapora, um distrito da grande cidade portuária de Madrasta, na costa de Coromandel, ao sul da índia. Contra aqueles que de­safiam essa tradição, pesa o testemunho milenar dos cristãos de São Tomé.
Com o passar dos séculos, a criação de estereótipos bíblicos acabou contri­buindo consideravelmente para a distorção da imagem de alguns dos discípu­los de Jesus. A partir dessas caricaturas apostólicas, imaginamos, por exemplo, o apóstolo Pedro como um homem sempre impulsivo, tempestuoso e incons­tante, embora sejam notórios o quebrantamento e a maturação espiritual pelos quais passou, responsáveis não apenas por seu aperfeiçoamento como discípu­lo, mas também por sua transformação num dos gigantes da fé cristã em todos os tempos. Ao sabor da tradição medieval, somos influenciados a conceber João, irmão de Tiago, como um jovem exemplar em mansidão e temperança, ignorando sua ambição e caráter irascível, claramente relatados nos evangelhos (Mc 3.17). Com Tomé, não poderia ser diferente. A tradição pós-bíblica desa­fortunadamente lançou sobre ele todo o ônus da incredulidade relativa a res­surreição de Cristo, embora Tomé não tenha sido o único dentre os doze a demonstrá-la. Expressões populares como "Teste de São Tomé" ou, ainda, "Doubting Thomas"deixam claro a característica magna com a qual as gerações desenharam o perfil desse gigante do cristianismo.
Procuramos mostrar, a partir de uma perspectiva bíblica, que o estigma da incredulidade não pode ser atribuído exclusivamente a Tomé sem que se pratique uma flagrante injustiça ao relato neotestamentário. Nosso apóstolo de fato descreu, mas o fez num momento onde a fé de todos os discípulos igualmente estremeceu.
A julgar pela diversidade das narrativas tradicionais, é certo que Tomé exerceu um dos mais dinâmicos, extensos e profícuos apostolados dentre os doze. O teor fantasioso com que o apócrifo Atos de São Tomé retrata a visita do rei indiano Gondofares a Tomé é um bom indicador da admiração e do respeito com que os cristãos primitivos eternizaram a obra desse memorável discípulo de Jesus.

"Trouxeram óleo e acenderam as lâmpadas, pois já era noite. Eis, então, que o apóstolo levantou-se e, com grande voz, orou sobre eles, dizendo: 'Paz seja convosco, ó irmãos.' Eles ouviam sua voz, no entanto não podi­am ver sua forma, uma vez que ainda não tinham sido batizados. O santo, então, tomando óleo em suas mãos, ungiu suas cabeças e orou, dizendo.
'Vem , ó Nome de Cristo, que é sobre todo o nome!
Vem ó Nome, que é santo, exaltado e rico em misericórdia!
Faze vir sobre nós a Tua misericórdia!'"

Mais que pelos seus circunstanciais momentos de dúvida, a tradição cristã nos assegura que Tomé mostrou-se digno de ser lembrado pela posteridade como aquele que não temeu expor sua própria vida aos perigos e privações da carreira apostólica. Seu fim, violentamente perpetrado pelos inimigos da fé, é prova inconteste de como a fé e a confiança no Nome de Jesus se tornaram os ditames de seu ministério.
 FONTE: Doze homens e uma missão / Aramis C. DeBarros. - Curitiba : Editora Luz e Vida, 1999.

5 comentários:

  1. Mesmo tendo todos os apóstolos duvidado da ressureição, a fama recaiu sobre Tomé.

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    1. Talvez pelo fato que ele não acreditou que Jesus tinha ressuscitado.

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  2. Excelente texto. Farto material e rico em qualidade, além de bem escrito. Parabéns pelo conteúdo do blog.

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  3. eu tambem acava que tome era umhomen cem fe totalmente incredulo mas lendo o contesto pesso desculpas a ele mesmo nao podendo falar pessoalmente com ele FIQUEI MARAVILHADO PARABENS

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